sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Civilizar a economia de mercado


 O Estado de Direito dos regimes democráticos assenta no postulado político-liberal da neutralidade e da imparcialidade da ordem social em relação aos diversos projetos de vida.
A lógica de mercado que domina nas sociedades do capitalismo tardio, a qual teve a sua consagração epistemológica  a partir das teorizações da escola neoclássica, (von Mises, Hayek et alii), enraíza-se num determinismo económico, que se caracteriza por um individualismo económico estrito e pela ideia correspondente de uma sociedade de mercado total, assente apenas numa lógica do interesse mútuo.
Assim, a lógica de mercado, na sua pretensão de hegemonizar tendencialmente todo o espaço social, impondo-lhe a sua forma particular de vida empresarial visando o sucesso económico traduzido em lucro, entra em rota de colisão com o postulado político-liberal do Estado de Direito.
Esta violação do princípio liberal pela ficção utilitária do bem comum inerente ao liberalismo económico foi justificada por John Rawls na sua “Teoria da Justiça”, quando apresenta o seu princípio  de justiça básico: “Cada um tem o mesmo direito ao mais extensivo sistema global de liberdades fundamentais iguais, que a todos seja possível.”
Uma sociedade livre não pode nem deve ser pensada como uma sociedade de mercado: é necessário integrar a lógica do mercado na estrutura fundamental de uma sociedade liberal e subordiná-la à política.
Como se alcança este objetivo de “civilizar” a economia de mercado”?
Como pressuposto da consecução desta tarefa, é preciso fazer uma “crítica da razão política”, de modo a expurgar dela as suas presunções ilegítimas – como pensar a política como a esfera do geral perante a particularidade imperante na sociedade, à maneira de Hegel e epígonos - e a legitimar as suas pretensões necessárias no quadro das sociedades complexas e interdependentes em que hoje vivemos.
Tive presente neste escrito:
-o artigo de Peter Ulrich “Para uma socioeconomia prática”, pp. 173-196, in Revista Portuguesa de Filosofia, A Civilização da Economia e as Respostas da Filosofia: sobre a pertinência e a praxis do saber”, Tomo 65, 2009, fasc. 1-4);
- Daniel Innerarity, ATransformação da Política, Ed. Teorema, 2002. 

domingo, 14 de outubro de 2012

Bananas à tiracolo colonial



Jean-Paul Pougala (2012-03-03)

(...)

Assim, desde o Tratado de Roma, a banana se revela instrumento de controle geoestratégico sobre os Estados africanos, mesmo que em seguida estes tivessem suas independências reconhecidas pelos seus opressores. E diante do fato de que em 1960 a França seria obrigada a reconhecer a independência dos três primeiros países, tudo seria articulado para que fossem as populações francesas dessas ex-colônia as donas das plantações de banana, orientando-se as populações locais para cultivos muitíssimo menos rentáveis, como o algodão, o café e o cacau. Veremos doravante indicadores sobre:

A - A RENTABILIDADE DA BANANA:

A banana é a fruta mais rentável do mundo por que sua colheita é semanal e durante todo o ano. Sua rendimento efetivo passa de 20 toneladas por hectare no caso da banana orgânica no Senegal – segundo cifras fornecidas pela APROVAG,. a organização de produtores APROVAG, Tambacounda do Senegal – chegando a 60 toneladas por hectare nas estufas marroquinas segundo cifras fornecidas pelo Instituto Agronômico e Veterinário Hassan II de Rebat, em Marrocos. O cacau, em comparação, produz 300 kg por hectare, segundo cifras fornecidas pelo CNRA (Centre National de Recherche [Pesquisa] Agronomique de Cote d’Ivoreire [Costa do Marfim]) tornados públicos pelo Sr. Lancine Bakayoko em 27/10/2009, ou seja, devido a escolhas erradas de economistas e políticos costa marfinenses após sua pseudo-independência, um agricultor marfinense da cacau é 200 vezes mais pobre do que um agricultor marroquino de banana. A comparação se mostra ainda mais desfavorável no caso do café. Segundo seriíssimo estudo realizado entre 1969 e 1982 pelo IRCC (Institute de Recherches du Café et du Cacao de Côte d’Ivoire) na região de Gagnoa se obtém uma média poderada de 180 kg de café por hectare, isto significa que os economistas e políticos marfinenses conscientemente reduziram os camponeses a uma miséria 333 vezes pior do que a dos seus homólogos, os camponeses marroquinos. A mesma situação, em condições quase idênticas, é observada em toda a parte da África subsaariana

B - A GEOESTRATÉGIA DA BANANA

A banana é a fruta mais consumida no mundo. Segundo cifras fornecidas pelo Mundo Diplomático do mês de outubro de 1996, por Ghislain Laporte, produzia-se então 52 milhões de toneladas dessa fruta (e 100 milhões de toneladas em 2011). E os dois principais produtores, China e Índia, consomem a totalidade de suas produções. Os 11 milhões de toneladas restantes seguem para o marcado internacional, e 4 milhões de toneladas vão para a União Europeia. Desse montante 2/3 são controlados por duas multinacionais norte-americanas, a United Brands Company (marca Chiquita) e a Castel 7 Cooke (marca Dole) e por uma mexicana, a Del monte.

O que é detestável nestas cifras são dois elementos essenciais:

1- A totalidade dos 79 países da chamada ACP (África Caribe e Pacífico) à qual a União Europeia acena com uma “vantagem” incontestável pela Convenção de Lomé, custam a fornecer o dobro (857.000 toneladas) das minúsculas ilhas espanholas das Canárias (420.000 toneladas). Penam também para fornecer 4 vezes mais do que a pequeníssima Martinica, ilha de 1.100 km² e 382.000 habitantes que fornece à EU 220.000 toneladas de banana contra os 802 milhões de toneladas dos africanos subsaarianos (cifras de 2007).

2- E o pior: a quantidade produzida pelos 79 países da ACP é um terço da quantidade enviada à EU pela América do Sul a qual não se beneficia de qualquer dessas convenções, mas produz 2,5 milhões de toneladas. Destes dois pontos sobressai uma vontade: desviar a África das produções rentáveis como a banana que, segundo essa lógica puramente colonialista (mesmo depois de 50 anos do reconhecimento da independência africanas pelo Ocidente), devem ser reservadas exclusivamente aos ocidentais, mesmo que produzida em solo africano. O erro dos governantes africanos tem sido o de permanecer nessa lógica colonialista de acreditar não existir outra verdade no mundo senão aquela proveniente da União Europeia, atitude conducente à total passividade pela crença de que não existe outro mercado. E aos anestesistas responsáveis por tal passividade juntam-se as Organizações não Governamentais (ONGs) ditas ecológicas na sua ostentação de urgência em salvar a floresta africana, contudo o verdadeiro papel destas é o de impedir os africanos de explorarem o seu espaço vital pelo cultivo de inúmeras produções bananeiras que, assim, poderiam perturbar o tão lucrativo negócio da banana no mercado mundial e garantir uma verdadeira autonomia financeira para a África. Este exemplo da banana é muito sintomático dessa situação que chegou à contradição de países como o Senegal negligenciarem sua própria produção interna de banana para, por decorrência, importarem-na.

C- POR QUE A BANANA?

Vários institutos de pesquisa são unânimes sobre o valor excepcional de nutrientes contidos numa banana madura. Rica em potássio, a banana é medicamento contra hipertensão. É também indicada na medicina moderada, dita natural, contra as úlceras de estômago e contra a diarreia. Rica em ferro, a banana estimula a produção de hemoglobina a qual contribui para diminuir a anemia. A banana contém a vitamina B6 que possui papel regulador da glicose no sangue. Mas, à parte a exportação, a África deveria desenvolver uma larga campanha interna para o consumo da banana, pois o que valoriza essa fruta é o seu grande teor em vitamina C. E somente uma banana por dia bastaria para suprir as necessidades em vitamina C das crianças africanas. E existe um vasto marcado na própria África visto o alto percentual de populações infantis e as necessidades de acréscimos em vitaminas.

D- O CÉREBRO DOS AFRICANOS ESTÁ SONOLENTO?

Dentre os 55 000 de toneladas vendidas no mundo em 2010, 40% foram produzidas na Ásia, 27% na América do Sul e somente 13% na África. Trata-se da banana destinada à sobremesa, ou seja, a banana comida como fruta, a banana madura. Porém, segundo cifras fornecidas pela FAO, em 1995 foram produzidas no mundo 24.000 toneladas de banana verdes, para o cozimento. 17.000 toneladas foram produzidas na África, ou seja, 71%, e 4.000 toneladas na América do Sul, perfazendo 17%. Pode-se portanto deduzir que se os africanos não produzem mais do que 13% da banana mundial; isso não se deve à sua incapacidade e sim a seu estado de passividade mental condicionado a favorecer os interesses econômicos do Ocidente desde que se trate de fazer negócios no mercado; mas não os seus negócios. Vale observar que quando se trata produzir para se (auto)alimentar, quando se trata de satisfazer a um instinto de sobrevivência, eles batem todos os records mundiais. Pode-se então dizer que o cérebro dos africanos parece sonolento quando se trata de produzir para vender, para vender fora da União Europeia. E eles se acham então à mercê dos conselhos sabidamente errôneos dados pela União Europeia, isto é, o de desencorajar a produção de banana para a comercialização, a menos que esta não se encontre inteiramente sob o controle de empresas ocidentais instaladas na África.

Em 2007 65% da banana vendida no mercado mundial provinha de dois países antes campeões do café e que, todos os dois, destruíram as plantações desse maldito café, para cultivar esses espaços com a banana. Essas nações são a Colômbia e a Costa Rica. Isso foi o que fez com que no mesmo ano, dentre os dez maiores exportadores de banana, sete estivessem na América do Sul, permitindo a esse continente controlar 95% da banana exportada no mundo. Durante esse tempo os africanos se preparavam para celebrar os 50 anos de independência, porém sempre com dificuldades em se desvencilhar do jugo colonialista que impõe dedicação exclusiva ao café, ao cacau e ao algodão, este último um produto tristemente lembrado pela ligação com o tráfico negreiro para a América durante quatro longos séculos.

Em 1978 Marrocos decidiu proibir a atividade de importação da banana. O rei simplesmente compreendera que a banana podia ser instrumento geoestratégico nas mãos da monarquia. E apesar das condições climáticas desfavoráveis (ao contrário do Congo e de Camarões) o monarca decide criar estufas bem equipadas e prontas a produzir em subdivisões de 1,53 hectares dadas em locação de preço irrisório a seus cidadãos. Em 1978 Marrocos importava anualmente 24.000 toneladas de banana; a partir de 1992 tornou-se capaz de suprir sua demanda interna no mesmo nível de antes da proibição. Segundo reportagem publicada por três professores: Skiredj, Walali e Attir do Instituto Agronômico e Veterinário Hassan II de Rabat, dos dois hectares iniciais da campanha em 1980/81 se atingiu 2.700 hectares em 1996 e 3.500 hectares em 2011, com uma produção anual de mais de 100.000 toneladas de banana.

E- O QUE SE DEVE FAZER?

A política de apoio deve ser radical e em três direções:

1- 40% da banana produzida na África apodrece por falta de mercado internacional. Para remediar isto deve-se proceder como em Marrocos: estimular e organizar o mercado interno pela coleta sistemática de toda a banana-fruta disponível entre os pequenos produtores para conservá-la em instalações para amadurecimento das quais as bananas sairão uniformemente maduras, na mesma quantidade antes apodrecida pela falta de mercado correspondente à demanda interna.

2- Democratizar a produção de banana pela criação de pequenas glebas. Esta é a única possibilidade de romper com as práticas colonialistas de escravidão nas plantações de banana ainda vista nos nossos dias, não apenas na África, mas também na Martinica e em Guadalupe onde a cultura da banana
3- Para produzir, é preciso saber vender. O mercado internacional, do da aviação ao de brinquedos, responde a lógicas específicas a cada país, a cada produto e a cada cultura. É necessária flexibilidade de espírito para se compreender que o mundo não se limita aos países europeus, ainda que fossem estes os mais ricos. Existe imensa margem para o desenvolvimento do consumo da banana em vários países como a Rússia, o Iran, a Turquia e outros. (...)

(Arigo parcial retirado da revista "Pambazuka News  Pan-Africain Voices of Freedom and Justice)



sábado, 13 de outubro de 2012

Então, quem nos tramou?

Na sua página do New York Times “The Conscience of a Liberal” , “o vidente” Krugman escrevia então:  


Portugal? O Nao!
It’s looking as if Portugal is the next eurodomino. I was hoping not — mainly, of course, for the sake of the Portuguese (I did my first ever policy work there back in 1976, and have always had fond memories), but also selfishly, because it’s by far the blurriest of the troubled peripheral countries.
What I mean by that is that the Portuguese macro story is harder to tell than those of Greece, Spain, and Ireland. Greece was excessive government borrowing; Ireland and Spain, housing bubbles. Portugal, by contrast, wasn’t all that bad fiscally — debt/GDP on the eve of the crisis roughly comparable to Germany. But it also didn’t have surging house prices. There was a lot of private-sector borrowing, but it’s not that easy to explain exactly why.
What’s clear, however, is that at this point Portugal faces adjustment problems similar to those of Spain, and possibly worse. Prices and labor costs are out of line with the rest of the eurozone; getting them back in line will require painful internal devaluation, aka deflation; and given the high levels of private debt, deflation will have nasty side effects. Tolstoy was wrong: many unhappy countries, at least in Europe right now, are pretty much alike.
January 10, 2011, 12:52 pm42 Comments

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Poemas no Ghetto de Varsóvia (Arquivo Ringelblum)

Warsaw Ghetto Poems from the Ringelblum Archives
Yitzkhok Katzenelson: Job-Page 67, Third Act


Job p67 Act 3, 1941
by Yitzkhok Katzenelson
My life has become ugly,
I want to pour out my suffering in words,
come what may-
I will speak my bitterness!
I want to speak to Him like this:
God do not blame me without cause,
make me know
why it is that you indict me?
Are you so great
that you have joy
when you destroy,
when you scorn the work of your own hands
Do you shine in this decision of the wicked!
Or are your eyes too, so meaty thick?
that you don’t see your work as others do?
Or are your days also numbered ?
And your years counted like the years of every one?
That you search so
for my evil sins,
that you thirst so
for my crimes?
Yet all depends on you, on you alone
that I should do no harm!
but there’s no way to save myself from you, no
in my being right!
It is your hands that formed,
developed me,
embraced and shielded me-
and you who have corrupted me…
Recall how you kneaded me like clay,
and covered me with earth again…
You pour me like milk
and like cheese you harden and cool me…
You renewed me with skin and flesh
as with clothes,
sewed me and seamed me
and framed me with bones and veins
granted me life and favor-
I faithfully obeyed your commandment.
You hid that all in your heart–
I knew you oversaw this…
and if I sinned you would remember for me,
and not forgive my sins…
And if I’m evil-
then woe unto me!
And even if I’m righteous-
I will not raise my head!
Shame will not let me
see…see my desolation!
And should my head raise itself up-
you capture me like a lion…
and as you wish-
you play with me, you play…
You turn more of your witnesses
against me,
And your rage that grows
ever heavier…
let them
attack me
again and again–
without count!
So why did you release me
from my mother’s womb?
I would have died there
unseen, as unconceived…
I’d be as if I never was,
from out of viscera, straight into the grave.
My days are scarce,
not enough,
Let me be-
and I will gain a little strength.
before I leave not to return
into land of darkness, silent shadows…
in the land of darkness utter black,
murky shadows,
in great confusion-
and a darkness is her sparkle

domingo, 7 de outubro de 2012

La liberté, René Char


Na linha de continuidade do post anterior, apõe-se outro poema de René Char sobre o tema da liberdade, tão presente nos tempos sombrios que tombaram sobre a Europa no período da II Guerra Mundial.


"Elle est venue par cette ligne blanche pouvant tout aussi bien signifier l’issue de l’aube que le bougeoir du crépuscule.
Elle passa les grèves machinales;
Elle passa les cimes éventrées.
Prenaient fin la renonciation à visage de lâche , la sainteté du mensonge , l’alcool du bourreau.
Son verbe ne fut pas un aveugle bélier mais la toile où s’inscrivit mon souffle.
D’un pas à ne se mal guider que derrière l’absence, elle est venue , cygne sur la blessure par cette ligne blanche."

(« La liberté » in « Seuls demeurent » (1945), recueilli en Fureur Et Mystère, 1948)

La quête de liberté - René Char (1907-1988)

Para estes dias de cólera, é oportuno recordar o poeta da liberdade e do amor ao tempo da Resistência ao nazismo.


 
Aguarela de Françoise Hennebert
 "La liberté n’est pas ce qu’on nous montre sous ce nom. 

Quand l’imagination, ni sotte ni vile n’a, la nuit tombée,
qu’une parodie de fête devant elle,
la liberté n’est pas de lui jeter n’importe quoi pour tout infecter. 

La liberté protège le silence, la parole et l’amour. 

Assombris, elle les ravive ; elle ne les macule pas. 

Et la révolte la ressuscite à l’aurore, si longue soit celle-ci à s’accuser. 

La liberté, c’est de dire la vérité, avec des précautions terribles,
sur la route où TOUT se trouve."

René Char, Après, 1958, Recherche de la base et du sommet