quinta-feira, 16 de maio de 2013

António Quadros - Algumas obras da trajetória de um pintor, por Portugal e Moçambique (vídeo)


A nossa desatenção em relação a este excelente pintor e mestre português, António Quadros (1933-1994), que exerceu influência, por exemplo, no moçambicano Malangatana, é indesculpável.(Convém não confundir o nome do pintor com o do seu homónimo, o filósofo da corrente da Filosofia Portuguesa e escritor).
Seria também de todo o interesse que a cidade de Caldas da Rainha relevasse a importância do trabalho que o mestre aqui realizou na Fábrica Secla, em 1959.
Um percurso rápido pela sua atividade, que se estende  ao teatro, à arquitetura, à escrita e à edição (publicou com Rui Knopfli os cadernos de poesia "Caliban" (1971-72)), marca bem toda a sua grandeza de artista e de homem empenhado na criação da beleza e na intervenção cultural.
O vídeo com o título acima referido, da autoria de Carlos Alberto Didier, é eloquente do valor deste artista, dispensando tudo o que possa dizer.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

A dança como denúncia da inoperância política: o exemplo do bailado A Mesa verde de Kurt Jooss


O coreógrafo alemão Kurt Jooss ( 1901-) impôs na cena internacional  a dança livre de tendência expressionista, produzindo várias versões dos Ballets Russos.
A sua obra prima continua a ser, ainda hoje, o bailado A Mesa Verde, apresentada em Paris em 1932, o qual é uma parábola de denúncia da hipocrisia das conferências de paz e dos horrores da guerra.
No início do bailado, em volta de uma mesa verde, senhores ajaezados de modo grotesco (com perucas na cabeça e com fatos de cerimónia) discutem o destino da humanidade. Não havendo acordo, puxam das pistolas e recomeça a guerra.
Numa sequência de quadros em que os horrores da guerra se fazem sentir sobre os soldados e as populações, uma figura gigantesca, com o esqueleto desenhado nas suas vestes, executa a dança da Morte.
Após o que, mais uma vez, se retomavam as negociações de paz, nos mesmos moldes e com o mesmo desfecho. Nova tragédia estava à vista.
O bailado de Jooss assume, para nós hoje, um significado particular que interessa meditar. Ele foi premonitório, no momento em que surgiu (1932), do desastre que estava em marcha: o nazismo estava em ascensão galopante, que o levaria ao poder no ano seguinte, e a Alemanha estava assolada por uma crise económica e social crescente, na sequência da crise financeira de 1929-32. A guerra era uma possibilidade que se tornou uma realidade irreparável.
 Continua o bailado a lembrar-nos de que as soluções políticas, só por si, não imunizam contra as guerras. Temos que buscar os meios - e têmo-los - que previnam esse mal maior, sempre à espreita.

Deixo o vídeo do bailado: 




sábado, 4 de maio de 2013

Entre o “povo” e “os grandes”: optar pelo povo (La Bruyère)



“Se comparo as duas condições de homens as mais opostas, isto é, os grandes e o povo, este último parece-me contente com o necessário, e os outros estão inquietos e pobres com o supérfluo.
Um homem do povo não poderia fazer mal algum; um grande não quer fazer nenhum bem, e é capaz de grandes males. Um não se forma e não se exerce senão nas coisas que são úteis; o outro acrescenta aí as perniciosas.
Acolá mostra-se ingenuamente a rudeza e a franqueza; aqui esconde-se a seiva maligna e corrompida sob a casca da cortesia. O povo não tem quase espírito, e os grandes não têm de modo algum alma: aquele tem um fundo bom, não tem nenhum exterior; estes têm apenas exterior e uma simples superfície.
É necessário optar?  Eu não hesito: eu quero ser povo.”

Traduzido de “Os grandes", Observação 25, da obra de La Bruyère, Les caracteres, Ed. Garnier- Flamarion, Paris, 1965, pp. 231-2.


quinta-feira, 2 de maio de 2013

"Tais pessoas (...) que têm dinheiro”, La Bruyère


La Bruyère (1645-1696) teve uma formação jurídica mas cedo sentiu a vocação de escritor, só publicando cerca de 20 anos mais tarde, em 1688, a obra “Os Caracteres”. Como o título indica, ela faz a descrição dos costumes da sociedade em que viveu (intrigas palacianas, os vícios do sistema judicial, o luxo insultuoso dos arrivistas, os impostores, a riqueza e a pobreza, os horrores da guerra, etc.), a partir de um ângulo de observação privilegiado: a corte francesa ao tempo de Luís XIV, com a qual esteve em contacto intenso. O seu objetivo é claro: ser o juiz de uma ordem política transviada em relação à exigência do Evangelho cristão, protestando contra a injustiça. Como homem de letras, considera que a escrita se encontra ao serviço do bem público, sendo por isso que, comparando os “grandes” ao “povo”, proclama: “eu quero ser povo” (cf. “Os grandes”,Observação 25, p. 232, na obra que refiro no fim).

La Bruyère é um exemplo de verticalidade moral, que nos ajuda a ver que há sempre, no meio de um mundo sem alma, quem saiba estar na resistência e na denúncia. O excerto sobre "a ganância do dinheiro", que transcrevo, é uma marca dessa atitude.
 
"Há almas sujas, forjadas de barro e de lixo, enamoradas do ganho e do interesse, assim como as belas almas o são da glória e da virtude; capazes de uma única volúpia, a de adquirir ou de não perder; curiosas e ávidas do último décimo; unicamente ocupadas com os seus devedores; sempre inquietas sobre a descida ou a desvalorização da moeda; mergulhadas e como abismadas nos seus contratos, nos seus títulos e pergaminhos. Tais pessoas não são nem parentes, nem amigos, nem cidadãos, nem cristãos, nem talvez homens: elas têm dinheiro."
 
Traduzido de “Os bens de fortuna”, Observação 57, da obra de La Bruyère, Les caracteres, Ed. Garnier- Flamarion, Paris, 1965, pp. 181-2.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Diatribe contra a riqueza, na peça Agamémnon de Ésquilo


(...)
Aquele que afirmasse:

“Quando os seres humanos espezinham todo o respeito
pelo que se deve reconhecer intocável,
os deuses não lhes são solícitos: eles não se dignam!”,
esse homem é um ímpio!

Fanfarronadas inauditas engendram o desastre,
logo que fumega o orgulho ilegitimamente,
que as Casas regurgitam um fausto exorbitante!
A justa medida é o bem supremo:

Possa ter um destino
que o ponha ao abrigo dos sofrimentos
aquele que tem por quinhão a sabedoria da alma –
e possa contentar-se com isso!

- Tão farto quanto estiver de riquezas,
elas não são uma proteção
para o homem que, com um pontapé,
derrubou e aboliu
o altar imenso da justiça.

Cf. “O Coro”, vv. 368-386, in Agamémnon de Ésquilo