sábado, 25 de janeiro de 2014

A JAULA: poema de Alexandra Pizarnik, com comentário



Lá fora faz sol.
Não é mais que um sol
mas os homens olham-no
e depois cantam.

Eu não sei do sol.
Sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até a aurora
quando a morte pousa nua
em minha sombra.

Choro debaixo do meu nome.
Aceno lenços na noite
e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Oculto cravos
para escarnecer meus sonhos enfermos.

Lá fora faz sol.
Eu me visto de cinzas.
Alejandra Pizarnik (1936-1972), poetisa argentina

Comentário:
Esta poesia de Alexandra Pizarnik (como toda a sua produção poética) é uma meditação convulsiva, de carácter eminentemente confessional sobre o sentido da existência, marcado pela disjunção entre um “dentro” (o mundo intimo da poetisa é o espaço dessa meditação) e um “fora” (o mundo dos outros marcado pela alegria de estarem vivos).
Estruturada com base na disjunção luz/trevas, que apontam para a vida e a morte, são marcadas as duas atitudes fundamentais em face da existência: a do senso-comum e a filosófica.
A primeira atitude é o dos que olham a existência do seu lado de fora, o luminoso: o estar vivo e a fruição que nisso se alcança.
A segunda atitude é a de quem, como o poeta ou o filósofo, têm a coragem de olhar a existência do seu lado mais íntimo, que é a sua finitude que conduzirá à morte.
E não recalcando a morte mas trazendo-a à superfície da consciência, o poeta dilacerado por extremo sofrimento, só pode pedir socorro a alguém (“aceno lenços na noite”), mas ninguém o ouve ou ninguém vem, e por isso ele encena o seu próprio luto “eu me visto de cinzas”.
Embora pareça uma poesia de desistência, de que olha mais para a morte do que para a vida, não é assim. Porque quem assume a sua morte, e é capaz de fazer o seu luto, torna-se capaz de viver de outro modo, diferente do habitual.
A liberdade, que se considerou ao longo da tradição filosófica do Ocidente o fundamento da existência, esbarrando com o que a desafia na sua essência, a morte, acaba por ter de perder esse direito, que se diz correntemente inalienável.
Tornando necessário remontar aquém dessa essência, descobrindo no sujeito uma passividade radical, a partir da qual ele é afetado não apenas por tudo o que o cerca no mundo, mas por todos os outros e pela sua corporeidade mortal. Esse ser afetado transfigura a natureza e o sentido dessa liberdade.
É a partir desse abismo, que a liberdade individual delimita os contornos da sua ação, devendo considerar sempre no seu projeto de transformação a sua condição finita, passando a ser concebida não com um direito próprio de um indivíduo mas como um recurso que este deve pôr ao serviço dos outros e da melhoria das suas condições de vida.
Assumir a morte e pôr a liberdade a rodar em torno de uma órbita que lhe é exterior são condições necessárias, e urgentes, para abrir aquilo que Lévinas chamou “o humanismo de um outro homem”.




1 comentário:

  1. Belíssimo poema. Estilo Kafka. Comentário interessante e, sobretudo, conciso e abrangente!

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