quarta-feira, 2 de abril de 2014

Homenagem a Jacques Le Goff com referência ao seu estudo sobre o “mundo dos negócios”



Este extraordinário e inovador medievalista estudou na obra Mercadores e Banqueiros na Idade Média, a génese do sistema económico capitalista, e teve o mérito de mostrar a tese de que o seu surgimento surgiu numa relação de contradição com o sistema dos valores e práticas então dominantes nas sociedades medievais (séc.XI-XIII): o feudalismo e o seu enquadramento ideológico pelo catolicismo.
O tema da usura e do usurário é colocado na obra como o  elemento determinante que está na base do capitalismo.
Sobre ela, respigo as seguintes afirmações:
- “A usura é a arrecadação de juros por emprestador nas
operações que não devem dar lugar a juro”;
- “A economia da Idade Média dava-se em termos de dom e contra-dom“;
A única finalidade da troca é estreitar a rede de relações reforçando os laços de reciprocidade”;   
- “A usura constituía um pecado contrário à natureza  e ao preço justo. Ela visava à frutificação do dinheiro”;
- “Para espanto e escândalo dos medievais descobria-se que o dinheiro trabalhava”;
- “Havia uma relação entre usura e pecado:  usura nunca deixa de pecar. Enquanto seu dono dorme, ela não descansa, mas sem parar aumenta e cresce”.

Estas citações permitem concluir que o dinheiro, desviado da sua função natural de instrumento de troca e de unidade de valor, é visto pela Igreja como uma forma iníqua de riqueza, logo condenável, sendo o usurário a figura maligna por excelência, cujo destino no post mortem era o Inferno (onde Dante, na Divina Comédia, os colocou, a par dos sodomitas).
Mas as à medida que a Igreja Católica se foi torna mais permeável re comprometida com os valores terrenos, no séc. XIII, mesmo o pecado da cupidez do usurário é redimível: através da confissão dos pecados, considerada obrigatória para todos pelo menos uma vez por ano (a partir do IV Concílio de Latrão, em 1215) e no post mortem, pela criação do artifício do Purgatório como lugar de expiação dos pecados. E pouco a pouco, o capitalismo pode triunfar e impor-se como dominante.
Certamente que paralelamente a este triunfo, outras transformações profundas da sociedade estavam em curso: a dissolução dos vínculos feudais e a afirmação da liberdade individual; a emergência de uma atitude prática na relação do homem com o mundo; a busca da felicidade sobretudo no horizonte do mundo, pela busca do conhecimento e da ação; por fim a descoberta da finitude radical do ser humano, em todos os planos.

Resta-nos hoje fazer o balanço de todo este processo histórico, nos seus ganhos e perdas. No que ao capitalismo toca, pelos efeitos devastadores que engendra na natureza e nos homens, julgo que temos de inventar uma alternativa. Que não está no passado já feita, mas neste jazem boas sementes (a economia do dom, a teoria do preço justo, a “incrustação” do dinheiro nas práticas sociais) que podem ser reutilizadas.
É essa hoje a nossa tarefa, o capitalismo não é “o fim da história”! Assim como teve um começo, haverá de ter um fim!

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