segunda-feira, 15 de abril de 2013

O homem português e a sua influência na sociedade brasileira, por Gilberto Freire

Alexandre Herculano avança a tese, para explicar a deriva histórica do homem português, de que o elemento decisivo tem de buscar-se a partir de uma dupla matriz cultural: europeia, por um lado, (celtas, suevos, germanos) e africana, por outro, (árabes, berberes, libifenícios, capsienses ou magrebinos).
É a partir desta tese, que a antropologia e a arqueologia vêm confirmando, que o antropólogo Gilberto Freire vai construir a sua interpretação da colonização do Brasil, como um ingrediente da sua própria cultura e identidade.
Segundo este autor, retomando Aubrey Bell, “o carácter português (…) é como um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita em quedas de água: daí passar do “fatalismo” a “rompantes de esforço heróico”; da “apatia” a “explosões de energia da vida particular e a revoluções na vida pública”; da “docilidade” a “Ímpetos de arrogância e crueldade”; da” indiferença” a “fugitivos entusiasmos”, “amor ao progresso”, “dinamismo”. (…)”
Por isso, conclui Gilberto Freire: “o que se sente em todo esse desadoro de antagonismos são as duas culturas, a europeia e a africana, a católica e a maometana, a dinâmica e a fatalista encontrando-se no português, fazendo dele, de sua vida, de sua moral, de sua economia, de sua arte um regime de influências que se alternam, se equilibram ou se hostilizam. Tomando em conta tais antagonismos de cultura, a flexibilidade, a indecisão, o equilíbrio ou a desarmonia deles resultantes, é que bem se compreende o especialíssimo carácter que tomou a colonização no Brasil, a formação sui generis da sociedade brasileira, igualmente equilibrada nos seus começos e ainda hoje sobre antagonismos”. (Gilberto Freire: Casa Grande & Senzala, Ed. Record, Rio de Janeiro-São Paulo, 2000, p. 82)

Acrescento em forma de Midrach Halakah:
Esta tese da dualidade cultural do homem português pode ser um fator de esperança para a crise em que nos afundamos se houver capacidade política de dar forma e direcionar o dinamismo, a mobilidade, a adaptabilidade e a plasticidade a condições adversas que estão na matriz cultural do homem português.
Mas essa capacidade hoje não se pode pensar no quadro da dicotomia tradicional em que o poder decide tendo os cidadãos apenas um papel externo, quando muito propositivo, dada a complexidade e incerteza em que estamos mergulhados.
É assim necessário repensar e reinventar um novo modo de exercício do poder, que não se deixe aprisionar pelo imediato e que aceite que a tomada de decisão política não pode ser hierárquica, de cima para baixo, mas que nela devem participar outros atores, os que se situam “acima” e “fora” (os “técnicos”) e os que são afectados pela decisão (é a isto que Daniel Innenarity chama “delegação vertical” e “delegação horizontal”. Alem disto, o velho par da retórica de Aristóteles do ethos e do logos dos agentes continua a ser uma necessidade relevante, pois sabemos como a corrupção política mina a confiança dos cidadãos, ao ponto do vitupério de que “os políticos são todos um nojo”, como diz Manuela Ferreira Leite, e faz decair a solidez das democracias.

Animado deste pensamento, é pertinente, no âmbito das comemorações em curso do Ano Brasil-Portugal, trazer à colação o antropólogo e sociólogo  brasileiro referido, cuja obra ajuda a compreender a alma brasileira e a nossa e como esta está presente de algum modo na alteridade do nosso “filho maior”.
Deixo-vos o documentário Casa Grande & Senzala, de Nélson Pereira dos Santos, que toma por base a obra homónima de Gilberto Freire:

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