sábado, 2 de fevereiro de 2013

O compromisso com a justiça: o exemplo de Platão

A reflexão política de Platão é certamente um ponto de vista filosófico, historicamente situado, sobre os requisitos necessários ao exercício do poder político numa ordem justa. Mas conserva uma imensa fecundidade se soubermos entender o espírito que lhe subjaz e não tanto os resultados a que chegou e as soluções que propõe para alcançar aquele objetivo.
Ora o espírito que anima a reflexão política de Platão deve ainda ser o nosso: a busca racional dos princípios éticos, se prosseguidos com a intenção de a eles aderir incondicionalmente, era a sua condição básica. A esta luz, só a presença no espírito da ideia de justiça torna possível exercer o poder político de um modo justo, para o benefício da comunidade.
O trabalho filosófico de Platão centrado na política não foi pensado por ele, assim, como um exercício exclusivamente teórico, uma vez que a sua destinação se encontrava enraizada na necessidade da conjuntura política em que viveu. Por isso, na República, o seu prisioneiro liberto da caverna, onde jazia agrilhoado de pés e mãos, após atingir o mundo real, não fica aí retido na sua contemplação, mas volta de novo à caverna para anunciar  aos companheiros o que tinha visto, de modo a propiciar a sua autolibertação. Este compromisso solidário com os companheiros, aprisionados nas suas ilusões e no primarismo dos seus interesses mesquinhos, continua a ser uma exigência moral para nós, hoje.
Alain Badiou, por exemplo, realça a importância da República em função do nosso contexto filosófico, traduzindo a Ideia de Bem de Platão pela Ideia de Verdade e a de Alma pela de Sujeito, de modo a relevar que é a incorporação do Sujeito pela Verdade que torna possível a atitude ética.
O próprio Platão viveu na sua vida real a mesma exigência deste prisioneiro: fez três viagens à Sicília, a Siracusa, para ajudar a erradicar a tirania aí existente, não por meios revolucionários mas pela educação de Dinis II (filho do tirano Dinis, o Antigo) em consonância com a sua filosofia. Mas este esforço foi debalde, pondo Platão na situação de residência fixa, sem ter autorização de sair da ilha, correndo o risco de morte.
Deixo uma breve passagem da Carta VII, onde Platão descreve este seu compromisso com esta situação concreta onde imperava a injustiça:
“Um homem justo, prudente e refletido, nunca pode subestimar completamente o carácter dos homens injustos, mas não espanta nada que ele sofra o destino do hábil piloto que não ignora a ameaça da tempestade, mas não pode prever a sua violência extraordinária e inesperada e tem de afundar-se.”
Carta VII, pp. 88-9, Cartas, Platão, Editorial Estampa, 1971, Lisboa
É tempo dos políticos, banqueiros e outros, que esqueceram que a verdadeira política é de inspiração ética, começarem a ler os clássicos e daí retirarem algum ensino para que a sua pilotagem não nos conduza ao naufrágio.

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