segunda-feira, 11 de março de 2013

A arte como caminho para a verdade em Nietzsche

A arte, sobretudo a música, acede à visão da unidade do ser, na qual todas as fronteiras do conceito de uma racionalidade calculante são estilhaçadas. Ora, não é isto um modo de aceder a um outro tipo de verdade ontológica, desta vez pela mediação da arte? Com efeito, o que Nietzsche aqui critica é uma determinada configuração da verdade, como bom discípulo críptico e crítico do mestre Hegel, embora talvez sem disso ter consciência. Como pensa Heidegger, Nietzsche encerra a grande tradição metafísica de obliteração do ser, e cria as condições para o salto para a era ontológica, de recuperação da verdade do ser do ente. Também a sua obra sobre a essência da arte vai neste sentido.
A razão está em Nietzsche intimamente conectada com o corpo, que procura em permanência preservar e intensificar a vida, não sendo assim pensável como instância soberana deste mas sua serva. O princípio em que se funda esta exigência do corpo é a vontade de poder.
Por isso, os conceitos são ficções necessárias à manutenção da vida, como mostra a sua obra Acerca da verdade e da mentira  num sentido extramoral (1873). 
Na sua reflexão sobre o logos ocidental, Nietzsche, a partir de 1886, toma consciência de que este "é habitado por uma força mais heraclitiana do que parmenideana , mais dissolvente do que agregadora, à qual chama "força da veracidade” ("wahrhaftigkeit"), (1), e em relação à qual ainda ninguém foi suficientemente verídico.
Neste âmbito, somos forçados a concluir que há um modelo de verdade (realista, como adequação à coisa e que foi dominante até Leibniz e Kant), que se encontra em processo de dissolução, mas que se afirma com toda a pujança doravante um outro modelo de verdade - a veracidade -, aberto à mudança, à diversidade , à complexidade, ficando a ciência desprovida de qualquer fundamento último.
Trata-se de uma verdade perspectivística, cambiante e plural, "em equilíbrio e em dialéctica entre os impulsos de preservação (a desmascarar pela força da veracidade) e as forças desmistificantes e contramitológicas que estarão ao serviço daquela veracidade"(2).
Notas 1 e 2: cf. António Marques, Perspectivismo e Modernidade, Editorial Vega, pp. 90 e 104.


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