quarta-feira, 20 de março de 2013

“Guardar o outro e toda a criação”: a primeira homilia do Papa Francisco.

A primeira homilia do Papa Francisco, ontem, servindo-se da festa do dia em que se celebra S. José, glosou o mote que deve conduzir a ação do cristão e de todos os homens: ser guarda do outro homem, abrangendo nesta dinâmica toda a ordem criada.
Convocando o Génesis, onde Deus confia ao homem a função de guarda de toda a criação, serve-se de S. Francisco para enumerar várias modalidades de exercício deste cuidado, concluindo: “fundamentalmente tudo está confiado à guarda do homem, e é uma responsabilidade que nos diz respeito a todos. Sede guardiões dos dons de Deus!”
Mostrando que a exigência da responsabilidade é hoje de uma urgência inaudita que se dirige a todos os homens, dada a persistência no mundo do “mal radical”, a sobreposição do interesse próprio ao interesse coletivo, indo ao extremo da condenação à morte do outro, pela fome, pela miséria ou pela guerra, e com a destruição do meio ambiente, pondo em risco a sobrevivência das gerações futuras.
A expressão “guarda do irmão” surge no texto bíblico pela primeira vez quando Deus pergunta a Caim, depois deste matar o irmão Abel - “Onde está o teu irmão?” – pergunta Deus. Ao que Caim responde, evasivamente: “Não sei. Acaso sou guarda do meu irmão?” (Gn 4, 9).
Esta palavra continua a ser dirigida a cada um de nós hoje, sempre que não impedimos ou viramos os olhos “a todos assassinatos lentos e invisíveis que se cometem nos nossos desejos e nos nossos vícios, em todas as crueldades inocentes da vida natural, nas nossas indiferenças de “boa consciência” a respeito do próximo e do distante e até na nossa obstinação arrogante das nossas objetivações e das nossas tematizações, em todas as injustiças consagradas, devidas aos nossos pesos atómicos de indivíduos e aos equilíbrios dos nossos regimes sociais” (cf. E. Lévinas, À l´heure des nations, p. 162).
Guardar o outro e toda a ordem criada, como o Papa proclamou, é assim um grito e um convite dirigido a cada homem: colocar a liberdade ao serviço da responsabilidade incondicional, como suporte da construção de um mundo justo “dando a cada um o que é seu”. Esta responsabilidade torna-se assim o bom critério da conduta de cada homem, acima do cumprimento da lei ou da “boa consciência, pois só ela interrompe a violência inerente à nossa condição de seres separados.
Esta homilia, pelo tema que aborda e pelo modo tão universal e com a linguagem despojada que qualquer um entende, é um boa semente lançada ao mundo, e que espero possa servir de fermento para a ação e o magistério do sucessor de Pedro. De modo a que o exercício do poder eclesial, nas palavras do Papa, seja sempre serviço, humilde, afetuoso, concreto, envolvendo a humanidade inteira, sobretudo os mais pobres e os mais fracos, e que tenha "o seu vértice luminoso na cruz”.

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