quarta-feira, 13 de março de 2013

“Acordo de Londres: uma verdade inconveniente”: posição sobre dívidas soberanas na UE

  (…) A bancarrota dos Estados é vista, há muito tempo, como um problema longínquo, próprio do chamado Terceiro Mundo (o Sul Global). Hoje não está de modo algum distante, mas precisamente à nossa porta. Uma emergência económica, decorrente do excesso de endividamento, ameaça a própria existência da união monetária europeia. A devastação social e política dos países atingidos pela crise ameaça o tecido social desses países. No entanto, a Alemanha parece manter-se à parte, com uma economia relativamente bem sucedida e florescente. Mas não foi sempre assim.
Poucas pessoas sabem que a Alemanha beneficiou de um generoso perdão parcial de dívida no início do seu "milagre económico". De entre as reestruturações de dívida soberana modernas, o Acordo de Dívida de Londres para a Alemanha, cujo 60.º aniversário assinalamos a 27 de Fevereiro, é um exemplo precoce e pouco conhecido. Isto é tanto mais surpreendente quanto se trata de um caso de sucesso na restauração da sustentabilidade da dívida da Alemanha Ocidental. No fim das negociações, metade de todas as dívidas (no valor de 30 milhões de marcos alemães) tinha sido cancelada e o restante fora reescalonado de forma tão inteligente, que a Alemanha nunca mais enfrentou um problema de dívida.
Às crianças alemãs não é habitualmente ensinado nada acerca deste acordo nas aulas de História, e nos media pouca atenção lhe é dedicada. No entanto, seria hoje prudente lembrarmo-nos de como a bancarrota iminente de um Estado foi evitada através de negociações atempadas, rápidas, exaustivas e justas.
O contraste entre o tratamento histórico da Alemanha e o atualmente imposto à Grécia e a Portugal não podia ser mais óbvio. A Alemanha beneficiou de um perdão alargado e, como consequência, a sua economia cresceu rapidamente e de forma sustentável. Pelo contrário, a Grécia e Portugal estão a ser forçados a "consolidar-se" a si mesmos em direção a uma recessão dolorosa e destrutiva, que abala as fundações da sociedade. Um dos países mais generosos com a Alemanha em 1953 foi, já agora, a Grécia, apesar dos crimes de guerra cometidos durante a ocupação alemã poucos anos antes.
Poucas reestruturações de dívidas soberanas marcaram tão claramente a transição de uma condição de endividamento crítico para uma situação em que a dívida deixa de constituir um obstáculo ao desenvolvimento económico e social como a de 1953. O acordo encontrado é ainda hoje um dos melhores exemplos históricos de quão razoável e sustentável uma renegociação de dívida pode ser, se houver vontade política.
Vale a pena reexaminar hoje "Londres 53" como exemplo e fonte de inspiração para as atuais discussões sobre renegociação de dívida, tanto para os países do Sul Global como no contexto das crises de insolvência na zona euro. Lembremo-nos deste pedaço vital de história esquecida!”
Sbscritores desta posição: Bodo Ellmers (European Network on Debt and Development, Bélgica), Eric LeCompte (Jubilee USA Network, EUA), Isabel Castro (Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Divida Pública - IAC, Portugal), Iolanda Fresnillo (Plataforma Auditoria Ciudadana de la Deuda - PACD, Espanha), Kristina Rehbein e Jürgen Kaiser (erlassjahr.de - Entwicklung braucht Entschuldung e.V., Alemanha), Nessa Ní Chasaide (Debt and Development Coalition, Irlanda), Andy Storey (Debt Justice Action"s Anglo: Not Our Debt, Irlanda), Nick Dearden (Jubilee Debt Campaign, Reino Unido)

Cf. Público, 12 Março de 2013

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