domingo, 22 de setembro de 2013

Que Rumos para o Hospital Termal de Caldas da Rainha?



I – Da prudência política para a defesa do Termal como bem público


O Hospital Termal Rainha D. Leonor surgiu, na sua fundação e na sua refundação, sob a égide do Estado. No seu percurso, passou por períodos sombrios de decadência (antes da refundação) e de apogeu (desde os fins do séc. XIX até ao terceiro quartel do séc. XX), assim como transitou da tutela  eclesiástica inicial (Cónegos Seculares de S. João Evangelista) para a esfera do poder central, em 1775, ao tempo do Marquês de Pombal.
Torna-se imperioso hoje, quando o seu destino é toldado pelos ventos de incerteza quanto ao seu governo e quanto à sua viabilidade, meditar as frases lapidares com que se conclui a inscrição que se encontra do lado direito do Pocinho.
Essas frases são um convite emanado da benevolência real, assumida explicitamente por D. João V, dirigido a cada um de nós, como legatários de um bem público ao serviço de todos, preservando-o e renovando-o, e relativamente ao qual a nossa responsabilidade se encontra investida, aquém do nosso arbítrio:
“Fruere, hospes,
imitare quantum potueris;
et non te paenitebit.”
(Usufrui tu, que a esta casa te acolhes,
E imita-os [a D. Leonor e a D. João V] quanto puderes;
e não te arrependerás.)
Para corresponder ao desafio, cada um deve revestir-se de uma alma de mil manhas, como a do lendário Ulisses, pois esta ajudou-o nas dificuldades a não se deixar manietar pelo canto das sereias, regressando a casa.
Com esta alma, os caldenses são capazes hoje de não tergiversar em relação à sua responsabilidade nem abdicar face às soluções que o poder político ou administrativo pretenda impor, partindo da premissa de que essas soluções, num passe de mágica, tout court, são para pegar ou largar.
Pois, a maior parte das vezes, se essas propostas não forem devidamente fundamentadas por quem as propõe nem assumidas com ponderação  por quem as aceita, em todas as suas previsíveis implicações, pode estar-se a cavar a sepultura de um património coletivo já moribundo no engano de que o doente vai entrar num processo de recuperação da sua saúde.
Assim, ter à partida uma atitude de suspeita em relação ao que respeita à vida das comunidades é um ingrediente inerente a uma cidadania esclarecida e ativa, que exige ser informada e ouvida em tudo o que lhe diz respeito.
No caso da decisão a tomar pela Câmara em relação à aceitação da proposta da DGEG como concessionária da exploração das águas minerais do Hospital, matéria em discussão nas duas últimas Assembleias Municipais (a prosseguir a 20 de Agosto de 2013 em ordem a um consenso), não julgo estarem reunidas condições objetivas nem subjetivas para, no momento, os deputados municipais assumirem qualquer compromisso, nem a favor nem contra.
Com efeito, o poder local existente manifesta voluntarismo em relação ao problema do Hospital Termal, mas este só por si não é suficiente se não estiver enquadrado num plano de desenvolvimento da Cidade e do Município no seu todo (que não existe!) onde esteja definido claramente o lugar do termalismo neste âmbito. Também não existe uma clarificação do lugar que a política do Ministério da Saúde reserva para o termalismo, em geral. E, olhando do campanário e até para mais além, não se entrevê “massa crítica” esclarecida nestes domínios, capaz de conceber e executar um plano sustentável, articulado, diversificado e moderno, de relançamento do termalismo, pelo que não dispõe no momento a autarquia de know how que lhe permita responder positivamente à proposta da DGEG.
Sei que qualquer caldense tem orgulho no seu património termal, e que sente com mágoa e muita raiva a incapacidade que tem havido para encontrar a mais adequada resposta para o seu desenvolvimento, expansão e diversificação. Mais se afirma este sentimento se meditarmos no significado e no valor que o termalismo vai tomando, em outros concelhos e pelo mundo fora.
Forneço a seguir alguns exemplos desta consideração.






II – O Hospital Termal como matriz da construção de uma Cidade Termal

    
A OMS reconhece a medicina termal para o tratamento de algumas situações patológicas, na base de conhecimentos empíricos das ações terapêuticas, das águas minerais naturais, que constituem a “tradição termal”. Desde 1986, esta Organização confere um estatuto oficial à Federação Internacional do Termalismo e reconhece um papel essencial à medicina termal, com validade científica.
O termalismo é ainda recomendado pela OMS para o tratamento de doenças crónicas.
O Termalismo no seu sentido lato inclui o conjunto dos meios medicinais, sociais, sanitários, administrativos e de acolhimento com o propósito da utilização das águas minerais, do gás termal e de lamas com fins terapêuticos. A palavra Termalismo refere-se à indicação e utilização de uma água termal com capacidades “curativas” reconhecidas pela classe médica, através dos seus efeitos químicos, térmicos e mecânicos.
Comparando a taxa de utilização termal em Portugal com outros países europeus, como França, Alemanha e República Checa, constatamos que ela se cifra em valores muito mais reduzidos.
Em comparação com o que disse, Caldas da Rainha, desde há muitos anos, assistiu à lenta agonia do seu Hospital Termal, havendo que responsabilizar a autarquia, em grau talvez menor, e o Estado, que não souberam encontrar sinergias que valorizassem a riqueza que temos, potenciando-a e modernizando-a.
A discussão em curso na Assembleia Municipal sobre os rumos a seguir em relação ao Termal pôs em evidência a clivagem que separa a direita local e as formações à sua esquerda: revitalizar a ação do Termal, assumindo o poder municipal essa função, com a participação eventual da iniciativa privada, ou manter o Estado na tutela do termal, esperando que daí soprem ventos de mudança.
Julgo que seria bom conhecer a história de algumas termas nacionais, que conseguiram sair da letargia em que, por diversas razões, caíram, sendo hoje bons exemplos a pôr diante dos olhos.
Um bom exemplo é-nos dado pela história recente da estância termal de S. Pedro do Sul, que implementou há uns anos uma estratégia diversificada de revitalização e expansão da sua oferta termal, mantendo seu espaço Termal como emblema simbólico inviolável à usura privada.
Com efeito, em 1986, as termas de S. Pedro do Sul encontravam-se na situação em que as das Caldas se encontram hoje: captações das águas obsoletas, ausência de urbanização adequada do local termal; falta de investimento e investigação no setor…
Depois desta data, foram criados novos balneários, por comparticipação do Estado, e também foi renovado o balneário que se encontra na origem do termalismo local, o Rainha D. Amélia. Quando a autarquia se propunha vender este balneário, em 2006, a oposição das populações fez o poder local recuar, passando a reconhecer o direito inalienável daquele património, pela carga simbólica inerente à sua memória histórica.
Assim, a proposta feita pela DGEG à Câmara de concessão da exploração das águas minerais do Hospital Termal, para além das razões que invoca, pode indicar que aquela Direção parte do suposto que o Estado Central, através do SNS, não tem intenções de estar diretamente implicado na salvaguarda deste património. Podemos pensar, atendendo até à experiência recente, que esta transferência do ónus paras as costas da autarquia é acertada, mas fica sempre a dúvida sobre se é melhor permanecer no mesmo modelo (o que significaria pensar que este recuperaria um enfoque diferente sobre o problema, pois só assim tal seria aceitável) ou se o poder autárquico, tal como o temos, é capaz de mobilizar recursos (humanos, técnicos, políticos) de modo eficaz e permanente, de modo a exercer convenientemente a tutela do património termal.
Por isso, a decisão a tomar sobre esta proposta deve estar fundamentada em sólidos argumentos, recorrendo a casos de natureza similar, e ser prudente, não devendo ser tomada neste momento, não apenas pela razão política de estarmos num período pré-eleitoral, sem sabermos qual a força partidária que será vencedora, mas também por ser necessário abrir o assunto à participação dos cidadãos, devendo esta opinião ser tomada em consideração na decisão política.
Qualquer decisão deve estar balizada pelos seguintes parâmetros: manter o Termal como património público, revitalizando-o e conservando a sua vocação terapêutica primitiva; e deixar em aberto a possibilidade de construção de novos espaços termais, que possam diversificar e complementar a ação do Hospital, podendo estes ser abertos à iniciativa privada.
A proposta da DGEG de concessionar à Câmara o aquífero, nos moldes em que o propõe, poderá eventualmente ser uma boa solução depois de se fazer um longo percurso de clarificação das cláusulas contratuais a estabelecer, não havendo no momento condições para a aceitar.
Mas só será uma boa solução se estiver ao serviço da manutenção e revitalização do Hospital Termal no âmbito público, sem alijar a sua pertença ao SNS. Deixo em suspenso a forma jurídica desse acordo, bem como a instituição a criar para administrar o Hospital: a figura de uma empresa Municipal é uma possibilidade que não deve ser excluída, desde que funcione segundo regras de transparência democrática (foi esta a solução encontrada, por exemplo, em S. Pedro do Sul). Outras soluções haverá, que deixo à inventiva dos juristas e dos cidadãos. Fica também pendente a figura jurídica a definir, de acordo com a lei, que exerça a função de regulação deste setor.

 

III – Rumos imediatos de ação a prosseguir e a assumir por todos os atores políticos

Assim, partindo da recusa da aceitação da proposta da DGEG, proponho à deliberação desta Assembleia:
1.    A informação à DGEG de que, de momento, a autarquia não está em condições de anuir à proposta que lhe é feita, explicitando as razões, nomeadamente por estarmos a iniciar um período pré-eleitoral, que torna mais difícil a construção de consensos;
2.   A mobilização das várias formações partidárias para questionarem no Parlamento o pensamento do Governo e do Ministério da Saúde sobre o modo e o grau de implicação na promoção do termalismo na nossa cidade, o que exige tomar em linha de conta a sustentabilidade e a recuperação das funções terapêuticas do Seu Hospital Termal;
3.   A constituição de um grupo ad hoc, que deve integrar personalidades com conhecimento na matéria do termalismo com a tarefa de elaboração de um plano, a articular com um plano de desenvolvimento da Cidade, de revitalização e diversificação do termalismo. Neste equipa, deviam estar presentes: o Doutor João Serra; o Doutor arquitecto Jorge Mangorrinha, o Dr. Mário Gonçalves, o dr. António Curado, o Dr. Jorge Varandas, o Dr. José Luíz de Almeida Silva, o arquiteto Rui Gonçalves, podendo a equipa agregar outros especialistas;
4.   A discussão pública deste plano após a sua publicação, a que se seguiria a aprovação em Assembleia Municipal;
5.   E a monitorização permanente e sistemática da execução deste plano, que o poder autárquico (qualquer que ele seja!) devia assumir como prioridade política do seu trabalho.
Vasco Tomás




1 comentário:

  1. Muito boa reflexão, se me permites Vasco.

    Pode discordar-se de um ou outro aspecto, mas tem uma base bem interessante.

    Paulo Prudêncio.

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