segunda-feira, 18 de novembro de 2013

A Educação e a reprodução social: um texto de Doris Lessing ( 2013) retirado do romance “O Caderno Dourado” (1962

Doris Lessing, pictured here in 2006, once refused to allow the queen to declare her a dame of the British Empire, because — as the author put it — "There is no British Empire."
Esta romancista inglesa, que morreu ontem, fez da literatura uma tribuna de reflexão sobre os problemas que atingem o homem atual, manifestando sempre uma posição alinhada à esquerda: foi contra o apartheid, contra o colonialismo e defensora do feminismo.
A sua obra emblemática, que lhe valeu o reconhecimento internacional, foi o romance “O Caderno Dourado”, em 1962.
Tem como protagonista uma mulher, Anna Wulf, que, em crise existencial, decide escrever quatro livros de quatro cores diferentes, cada um subordinado a um tema: no preto abordaria a vida literária; no vermelho a política; no amarelo a vida sentimental; no azul narraria episódios do quotidiano.
A estrutura de fundo em que decorrem os conflitos interiores da vida dessa mulher (trabalho, sexo, amor, maternidade e política) é a história do período em que a obra é escrita: o estalinismo, a guerra fria e a corrida aos armamentos.
É por isso que espaço ficcional desta escrita articula o exterior da história com o interior da subjetividade, como imagens que se refletem uma na outra, e cujas antinomias definem o horizonte da vida dos homens e da própria história. E são essas antinomias que interessa compreender e ultrapassar.
A educação deve ser o instrumento privilegiado na compreensão das aporias e da fragmentação do sujeito em que a história o colocou. E é esta compreensão, em que o sujeito é chamado a pensar por si próprio, que lhe cria a possibilidade de ser livre.
No excerto sobre a educação retirado deste romance, afirma-se que a educação dessa altura não tornava o sujeito livre, mas inculcava-lhe apenas a crença fraudulenta de que era livre sem o ser, uma vez que aceitava passivamente os dogmas da sua época.
Afinal, a educação servia à reprodução da ideologia, e ipso facto, dos lugares dos indivíduos na estratificação social, sendo fraudulento todo o discurso libertador que a voz corrente proclamava!
E hoje, a educação está ao serviço de quê? Da reprodução do sistema em vigor? Ou do seu questionamento radical? Que lugar reserva a educação, nomeadamente o sistema escolar, ao espírito de iniciativa individual, à reflexão crítica, ao trabalho cooperativo em vez da competição, à invenção? E que papel têm no processo de mudança, mesmo nos constrangimentos institucionais, os professores?

Eis o excerto do romance:

"Como na esfera política, ensina-se a criança que ela é livre, é uma democrata, dispondo de vontade própria e mente livre, morando num país livre, e podendo tomar suas próprias decisões. Ao mesmo tempo, ela é prisioneira das suposições e dos dogmas de sua época, que ela não questiona, porque nunca lhe disseram que eles existiam. Quando um jovem chega à idade em que precisa escolher (continuamos a aceitar sem discutir que a escolha é inevitável) entre as artes e as ciências, ele costuma escolher as artes porque julga que nesse campo há humanidade, liberdade e opção. Ele não sabe que já se emoldurou ao sistema, não sabe que a própria escolha é resultado de uma falsa dicotomia enraizada no coração de nossa cultura. Os que o percebem e que não querem submeter-se a mais padrões, tendem a ir embora, num esforço meio inconsciente e instintivo de encontrar trabalho onde eles, como pessoas, não serão divididos entre si mesmos.“

Doris Lessing, in Prefácio d "O Caderno Dourado" , Editora Record

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