segunda-feira, 11 de novembro de 2013

“O Mundo como Meditação”: um poema “imenso” de Wallace Stevens


É conhecida a narrativa mítica de Penélope: na ausência do marido (Ulisses), entregou-se pacientemente à tarefa de tecer e destecer uma peça de tapeçaria, de modo a suportar a sua solidão.
De um ponto de vista psicológico, pode pensar-se que essa ocupação funcionaria como lenitivo para a sua situação, mas também serviria como manobra evasiva e defensiva em relação aos impulsos dos seus pretendentes, pois refugiando-se no remanso do tear inibiria a sua própria líbido assim como a dos seus pretendentes.
Wallace Stevens serve-se da história de Penélope de modo a pensar a natureza do amor mas também a natureza da poesia. E por isso, o mito de Penélope é apenas neste poema um recurso metafórico cuja significação tem de se encontrar noutro plano.
Nesta perspetiva, o trabalho de Penélope, silencioso e persistente, tem de ser entendido como uma entrega absoluta não ao outro real, porque nesse caso ele seria apenas alguém de um passado, mas como uma entrega a uma “imagem” que se vai construindo, paulatinamente, na imaginação, do amado. E essa imagem do amado gerada na imanência do eu é a expressão da ideia do amor, que ela imagina que ele tem por ela.
Nessa atividade, Penélope transfigura a imagem de Ulisses, mas essa imagem não é apenas mental, pois surgiu a partir de um homem real e só na sua apresentação toma figuração. Deste modo, a imagem real surge presa à imagem do seu desejo, e a paixão pelo amado inclui estes dois aspetos.
Tal como Penélope nesta interpretação, assim é o poeta, tece e destece até ao apuramento da imagem pela qual se apaixona.
Assim, este poema dá-nos a ver a conceção estética de Wallace Stevens sobre a criação, que não é o produto de uma inspiração nem uma expressão de estados de alma, mas é um trabalho, que exige talento, persistência, depuração, como aludem alguns verbos do poema ("derramar, desentulhar) e o registo paradoxal do verso: "era Ulisses e não era".
                                                                   


                                                              John William Waterhouse: Penelope and the Suitors – 1912
                                                           
Passei demasiado tempo a praticar o meu violino, a viajar. Mas o exercício essencial do compositor – a meditação – nunca parou em mim… Eu vivo num sonho permanente, que não pára de noite nem de dia. - George Enesco

É Ulisses que se aproxima do oriente,
O interminável aventureiro? As árvores estão derramadas.
Este inverno desentulhou. Alguém está a mover-se.

Sobre o horizonte e elevando-se sobre a sua linha.
 Uma espécie de fogo aproxima-se das teceduras de Penélope,
Cuja mera presença selvagem desperta o mundo no qual habita.

Ela compôs, durante tanto tempo, um eu com o qual lhe dá as boas-vindas,
Companheiro para o seu eu para ela, que ela imaginou,
Dois numa proteção profundamente fundada, amigo e querida amiga.

As árvores foram derramadas, como um exercício essencial
Numa inumana meditação, maior do que ela própria.
Nenhuns enredos como cães olharam por cima dela durante a noite.

Ela não quer nada que ele não possa trazer-lhe ao vir sozinho.
Ela não quer sortilégios. Os braços dele serão o seu colar
E o seu cinto, a felicidade final do seu desejo.

Mas isto era Ulisses? Ou era apenas o entusiasmo do sol
Sobre o travesseiro? O pensamento continuou a bater-lhe como o seu coração
Os dois mantiveram-se juntos a bater. Era simplesmente dia.

Era Ulisses e não era. Agora eles encontraram-se,
Amigo e querida amiga e encorajamento planetário.
A força selvagem dentro dela jamais enfraqueceria.

Ela falaria um pouco para si própria quando penteasse o cabelo,
Repetindo o seu nome com as suas sílabas pacientes,
Nunca o esquecendo porque está constantemente a aproximar-se tão perto.

PS: procurei traduzir do inglês este poema “The World as Meditation”, de Wallace Stevens, correndo o risco de não ter sempre feito a melhor opção uma vez que não sou tradutor profissional, apenas leitor ocasional.
O meu intuito ao traduzi-lo foi só e apenas trazê-lo ao conhecimento do público português, pois julgo não estar traduzido na nossa língua e este poema assinala toda a grandeza deste poeta imenso que é Wallace Stevens, tão querido de Eugénio de Andrade e, hoje, de Luís Quintais. Qualquer leitor pode aceder online ao texto original.  

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