terça-feira, 5 de novembro de 2013

“A educação pela Pedra”: um poema de João Cabral de Melo Neto e proposta de interpretação


O poema “A educação pela Pedra” de João Cabral de Melo Neto dá o título ao livrohomónimo, onde se encontra, que foi  publicado em 1965.
 O ambiente do sertão evocado neste poema, bem como ao longo da sua obra, é uma inscrição da memória do poeta, que passou a sua infância nos engenhos de açúcar da família, mas é sobretudo a convocação ao dizer poético de um mundo primitivo, onde a relação do homem às coisas é rude, afetiva e mágica, pré-conceptual.
Do ponto de vista formal, o poema apresenta uma linguagem objetiva, precisa, mas o seu alcance não é meramente descritivo, pois o seu processamento elabora um pensamento sobre o ato de criação poética.
No poema há dos modos de ser educado ou não-educado pela pedra, que correspondem a dois modos diferentes de pensar a criação:
o ir à pedra “de fora para dentro” é o movimento em que a linguagem  se desdobra em direção às coisas, até à recoleção da sua essencialidade na presença, de modo a “captar sua voz inenfática, impessoal”;
e o ir à pedra “de dentro para fora”, que é o movimento em que a linguagem se põe na disponibilidade inteira de acolher o que a pedra não pode dizer, pois  a sua natureza fria, não-humana, é irredutível à própria linguagem.
O poema trabalha assim a oposição entre dois modos diferentes de pensar a criação poética: os que pensam que há uma gramática imanente às coisas, que a poesia poderia transcrever mimeticamente; e os que pensam o contrário, pelo que ao poeta cabe a tarefa de fazer falar as coisas, contra o seu mutismo implacável.
E não é difícil ver de que lado da barricada se colocou João Cabral de Melo Neto, pois escolheu o segundo termo da disjunção.

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