quinta-feira, 7 de novembro de 2013

"O Mau Ladrão": escultura de "O Aleijadinho", evocado no poema de António Osório

"O Mau Ladrão", Aleijadinho, Igreja de Bom Jesus de Matosinhos, Congonhas, Brasil

O Aleijadinho é o nome por que ficou conhecido na história de arte o escultor brasileiro António Francisco Lisboa, de Minas Gerais, do período barroco (século XVIII).
Foi considerado por George Bazin o “Miguel Ângelo dos Trópicos”, e da sua extensa obra destaca-se a Igreja do Bom Jesus de Matosinhos, no município mineiro de Congonhas, onde se encontram esculturas em pedra e madeira policromada representando as Cenas da Paixão de Cristo.
O poeta português António Osório encena um diálogo com o escultor, e pergunta-lhe se as suas peças têm ainda hoje a força que desafia, não apenas a olhar a nossa vida do ponto de vista da sua moralidade ou imoralidade, mas também a pôr a grande e irrespondível questão do que está para vir depois do morrer.
O caráter interrogativo do poema dirige-se a cada um de nós: ainda ouvimos dos profetas a necessidade de mudança? Ainda nos reconhecemos corresponsáveis dos crimes da história? Já extirpámos das nossas almas a perfídia e a rapina descarada, própria dos que são da estipe do “mau ladrão”? Já por fim nos questionámos sobre o sentido da vida? E da morte?
Eis o poema:     

O Aleijadinho

           “Anuncio à Judeia o flagelo que serão
            para a terra a lagarta, o gafanhoto,
            o besouro, a ferrugem do trigo.”
                                    Joel, cap. I, v. 4
                                          
                                     A Lêdo Ivo
Os teus profetas ainda profetizam?
A lepra, a boca estuporada,
as mãos apodrecidas
na pedra serpentinosa e azulada?
Que mudança proclamam,
a ferocidade repetem:
olhando o céu e montanhas
por escravos lacerados?
Os teus Cristos de cedro ainda sangram?
Porque têm a doçura do beija-flor
e não foram cambados,
bexiguentos, rastejantes
e sofriam, como tu, sem culpa
cerceando dedos torturados?
Do mau ladrão qual a estirpe?
A perfídia foi só de Judas?
Os teus leões funerários quem acusam?
Fantasmas de rapina, estrangulantes?
Ou teu lugar, aqui, na cinzenta laje,
sob o altar da Senhora da Boa Morte?
E foi ela realmente boa,
liteira, candeia, cadeirinha de arruar,
apesar de por ti, cego, pedida?
Demónio acima do teu
a que cume ou floresta ou abismo enfim levou?

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