terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A resiliência da cultura, uma aposta de António Damásio


A cultura, como criação e como transmissão, foi mobilizada ao longo da história tanto como força de resistência contra o que mantinha ou perpetuava formas de dominação injustas (religiosas, intelectuais, sociais, políticas), mas também serviu de instância de legitimação destas. Por esta condição ambígua, devemos pensar a cultura como um recurso disponível a mobilizar e a pôr ao serviço, sem garantia de sucesso, da ação dos homens que cria melhores condições de vida para todos e que modela na responsabilidade o horizonte de um mundo habitável para as gerações futuras.
A crença de A. Damásio na sobrevivência da cultura, para além das forças enormes que militam hoje na sua destruição, afirma uma possibilidade em si mesma desejável, pelo que tem de mobilizador. Mas ainda que seja esse o seu futuro, isso não deve fazer esquecer os méritos limitados da cultura, pois ela não preveniu nem impediu as catástrofes da história do século XX, como o nazismo, por exemplo. Houve livros de denúncia quando o nazismo emergia (ver o meu post sobre Irène Némirovsky), houve a fuga de cérebros e de intelectuais para o Ocidente (Einstein,Thomas Mann,  H. Arendt, Walter Benjamin), houve os que foram massacrados (como o teólogo protestante Dietrich Boehoeffer),  mas também o silêncio cúmplice de muitos luminares, que em alguns casos foi até à subserviência do serviço ao regime ((Leni Riefenstahl, Albert Speer e Heidegger são alguns exemplos).
Assim, a cultura traz em si mesma uma promessa de felicidade para todos. Mas o seu cumprimento só é alcançado se sujarmos as mãos, os intelectuais e o homem comum,  ao serviço da edificação de um mundo justo para todos.
Transcrevo o excerto de A. Damásio, que proclama a sua crença na resiliência da cultura: “É evidente que se tivermos uma cultura em que as pessoas estão a pensar exclusivamente na gratificação imediata; no lucro, nas vantagens que têm em matéria das suas posses; em matéria de poder, de satisfação sexual imediata, é evidente que a cultura vai ser destruída.
Mas, apesar de haver vários sinais que são negativos, especialmente no momento de depressão económica mundial como é aquele que atravessamos, não vejo sinais de que a cultura vá por esse caminho. É evidente que acontecerão certas tendências desse tipo, mas haverá contratendências que evitarão que se caminhe de forma desastrosa, além de que é cedo demais para pensar que esse vai ser o caminho.
Por outro lado, é preciso estar atento e evitar que a cultura seja dominada pelo lucro e pelos resultados de curto prazo. E há, evidentemente, enormes forças que caminham nesse sentido.”
(Excerto da entrevista de António Damásio, publicada no caderno Q., nº 70, do Diário de Notícias de 12 de Janeiro de 2013, pp. 14-15)


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