terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Elogio de Arquíloco, nestes tempos de cólera



 Natália Correia considerou um dia que na nossa cultura a poesia satírica não deve ser considerada um género menor, e não apenas porque ela esteve sempre presente em todos os períodos da nossa literatura mas também porque toma por objeto os vícios dos homens sempre presentes.
Também desde os alvores da cultura grega (séc. VII a.C.) a poesia lírica e satírica se manifestaram. Arquíloco foi um poeta maior nestes dois domínios, embora da sua obra só nos restem fragmentos. Soube ultrapassar os quadros específicos da epopeia em direção à lírica, pois a sua poesia exprime a sua vida, agora os poetas falam de si próprios, cientes da sua individualidade.
 A sua criação poética está, assim, marcada pela descoberta do individualidade e apresenta uma independência interior incompatível com qualquer tipo de controle institucional.
Rebelde aos padrões épicos, as temáticas de sua obra tomam expressão na sátira, no vitupério jocoso e, por vezes, obsceno. Por exemplo:
 “Pai Licambas, que coisa é esssa que disseste?
Quem te tirou o siso?
 Dantes eras equilibrado: agora, para muitos concidadãos, és motivo de riso.”
 (fr. 88 Diels)
“Entenda isso agora: a Néobule
Que outro homem possua
Ai! Ai! Mulher passada, tão débil,
Tua flor virginal já murchou e
O encanto, que outrora existia.” (fr. 196aW 24-28)

(Convém esclarecer o facto que está subjacente aos versos. Licambas tinha estabelecido um contrato de casamento da sua filha Néobule com Arquíloco, que rompeu. Tal levou Arquíloco a invetivá-lo e às suas filhas em verso, opróbrio que os conduziu ao suicídio.)

Mas a poesia é também modo de busca de uma sabedoria que ilumine as várias situações em que decorre a sua existência e possa servir de regra de conduta, para quem a lê ou escreve.
 Um exemplo:
“Coração, meu coração, que afligem penas sem remédio,
Eia! Afasta os inimigos, opondo-lhes um peito
Adverso. Mantém-te firme aos pés das ciladas
Dos contrários. Se venceres, não exultes abertamente,
Vencido, não te deites em casa a gemer.
Mas goza as alegrias, dói-te com as desgraças,
Sem exagero. Aprende a conhecer o ritmo que governa os homens.” (fr. 74 Diels)

Esta sabedoria ultrapassa por vezes a medida de Apolo, abrindo-se ao excesso dionisíaco:
“Sei entoar a bela melodia do princípe Dioniso,
O ditirambo, quando o vinho deflagrou como o raio do meu espírito. (fr. 77 Diels)

O filósofo Nietzsche, na sua obra o Nascimento da Tragédia, assinalou justamente em Arquíloco a dimensão subjetiva e transgressora do seu verso, de cujas imagens cintilantes há-de brotar a tragédia: “Quando Arquíloco, o primeiro poeta lírico dos Gregos, proclama o seu amor furioso e em simultâneo o seu desprezo às filhas de Licambas, não é a sua paixão que dança diante de nós em delírio orgiástico; Vemos Dioniso e as Ménades, vemos o entusiástico Arquíloco adormecido na sua embriaguez (…) e é então que Apolo se aproxima dele e o tange com os louros.” (cf. ed. Círculo de Leitores p. 45)


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