Basta às vezes um simples poema para descobrirmos a grandeza de um poeta,
como o foi Álvaro Mutis. No dia da sua morte, não posso deixar de o celebrar,
reeditando um post anterior de 7 de abril de 2013.
LADAINHA
Esta era a ladainha que El Gaviero recitava enquanto
se banhava nas águas do delta:
Agonia dos obscuros
recolhe os teus frutos.
Temor dos ancestrais
dissolve a esperança.
Ânsia dos fracos
arrefece os teus ramos.
Água dos mortos
regula o teu leito
sino das minas
modera as tuas vozes.
Orgulho do desejo
esquece os teus dons.
Herança dos fortes
entrega as tuas armas.
Pranto das esquecidas
resgata os teus frutos.
E assim continuava, indefinidamente, enquanto o
barulho das águas afogava a sua voz e a tarde refrescava as suas carnes
laceradas pelos mais variados e obscuros labores.
Nota explicativa: o personagem el
Gaviero referido no poema é ficcional (tal como Macqrol) e está presente em
toda a obra do escritor colombiano Alvaro Mutis. Trata-se de um velho
marinheiro, rebelde e visionário, que conta as suas façanhas pelo mundo, em
prosa e em verso.
A escolha deste poema destina-se tão só a concitar a
atenção do público para este grande escritor, do qual foi editada recentemente,
pela Assírio & Alvim, uma antologia da sua obra poética intitulada Os versos do Navegante, com tradução de
Nuno Júdice.