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quarta-feira, 12 de junho de 2013

Albert Camus: A função “libertadora” da arte na sociedade do capitalismo financeiro



“(…) A sociedade dos negociantes pode definir-se como uma sociedade na qual as coisas desaparecem em proveito dos signos.

Quando uma classe dirigente avalia as suas riquezas, já não pelo hectare de terra nem pelo lingote de oiro mas pelo número de cifras que idealmente correspondem a um certo número de operações de câmbio, dedica-se ao mesmo tempo a pôr uma certa espécie de mistificação como centro da sua experiência e do seu universo.

Uma sociedade fundada nos signos é, na sua essência, uma sociedade artificial em que a realidade carnal do homem se acha mistificada. Ninguém então se admirará de que essa sociedade tenha escolhido, para dela fazer a sua religião, uma moral de princípios formais, e de que grave as palavras liberdade e igualdade tanto nas suas prisões como nos seus templos financeiros. Entretanto, não é impunemente que se prostituem as palavras.

O valor hoje mais caluniado é certamente o valor da liberdade. Bons espíritos (…) fazem doutrina de ela não ser senão um obstáculo ao verdadeiro progresso. Mas se disparates tão solenes puderam ser proferidos foi porque, durante cem anos, a sociedade negociante fez da liberdade um uso exclusivo e unilateral, considerou-a mais como um direito do que como um dever e não receou pôr, tão frequentemente quanto pôde, uma liberdade de princípio ao serviço de uma opressão de facto!

Por conseguinte, que há de surpreendente se essa sociedade não pediu à arte que fosse um instrumento de libertação mas um exercício sem grandes consequências e um simples divertimento”
   
Albert Camus, “Conferência de 14 de Dezembro de 1957”, intitulada  "O artista e o seu tempo", proferida no Grande Anfiteatro da Universidade de Upsala, em Estocolmo (cf. O Avesso e o Direito seguido de  Discursos da Suécia, Ed. Livros do Brasil, pp. 146-7).

PS: Camus proferiu um discurso significativo na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Literatura, em 10 de Dezembro de 1957, que se exibe:
  



segunda-feira, 11 de março de 2013

A arte como caminho para a verdade em Nietzsche

A arte, sobretudo a música, acede à visão da unidade do ser, na qual todas as fronteiras do conceito de uma racionalidade calculante são estilhaçadas. Ora, não é isto um modo de aceder a um outro tipo de verdade ontológica, desta vez pela mediação da arte? Com efeito, o que Nietzsche aqui critica é uma determinada configuração da verdade, como bom discípulo críptico e crítico do mestre Hegel, embora talvez sem disso ter consciência. Como pensa Heidegger, Nietzsche encerra a grande tradição metafísica de obliteração do ser, e cria as condições para o salto para a era ontológica, de recuperação da verdade do ser do ente. Também a sua obra sobre a essência da arte vai neste sentido.
A razão está em Nietzsche intimamente conectada com o corpo, que procura em permanência preservar e intensificar a vida, não sendo assim pensável como instância soberana deste mas sua serva. O princípio em que se funda esta exigência do corpo é a vontade de poder.
Por isso, os conceitos são ficções necessárias à manutenção da vida, como mostra a sua obra Acerca da verdade e da mentira  num sentido extramoral (1873). 
Na sua reflexão sobre o logos ocidental, Nietzsche, a partir de 1886, toma consciência de que este "é habitado por uma força mais heraclitiana do que parmenideana , mais dissolvente do que agregadora, à qual chama "força da veracidade” ("wahrhaftigkeit"), (1), e em relação à qual ainda ninguém foi suficientemente verídico.
Neste âmbito, somos forçados a concluir que há um modelo de verdade (realista, como adequação à coisa e que foi dominante até Leibniz e Kant), que se encontra em processo de dissolução, mas que se afirma com toda a pujança doravante um outro modelo de verdade - a veracidade -, aberto à mudança, à diversidade , à complexidade, ficando a ciência desprovida de qualquer fundamento último.
Trata-se de uma verdade perspectivística, cambiante e plural, "em equilíbrio e em dialéctica entre os impulsos de preservação (a desmascarar pela força da veracidade) e as forças desmistificantes e contramitológicas que estarão ao serviço daquela veracidade"(2).
Notas 1 e 2: cf. António Marques, Perspectivismo e Modernidade, Editorial Vega, pp. 90 e 104.