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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Apologia da dança: comentário com texto de Nietzsche (e vídeo de Isadora Duncan Dancers)



Um corpo que dança, além de movimentar-se a compasso, tem de o fazer com leveza para que se torne gracioso. Costuma dizer-se de um bom dançarino que ele tem o pé leve.
Ora, Nietzsche, um filósofo alemão do final do século XIX, pretendia pensar as condições que tornassem possível um pensamento fiel à terra, isto é, que fosse capaz de encontrar a raiz fundamental que liga o ser humano à vida do mundo, a contrapelo da matriz metafísica platónica dominante na cultura ocidental.
Esta matriz metafísica platónica, que se teria prolongado na ciência moderna, tinha feito tábua-rasa da emoção primordial que está na origem das culturas, afastando o homem para reinos ilusórios, sendo necessário recuperar esta dimensão poética da vida, tanto nos indivíduos como nas culturas.
É neste quadro que Nietzsche olha para a dança como metáfora do pensamento da leveza, em oposição a um pensamento pesado dos sistemas, que procuram pela força da sua armação conceptual traduzir o ser, a vida. Mas, em vez da vida na sua exuberância, feita de sofrimento e de júbilo, oferecem um simulacro ou um arremedo de vida. 

A dança, como o riso e a malícia, antídotos do espírito de gravidade, tornam-se assim para Nietzsche o alfa e o ómega de uma existência em consonância com o ser, em movimento de eterna destruição e criação, de sofrimento e de júbilo.
Se aprendermos esta lição com Nietzsche, alcançaremos a verdadeira essência da dança, cuja gratuitidade nos torna humanos, demasiado humanos. E tornar-nos-emos também dançarinos da nossa própria vida, mais próximos dos deuses, que também dançam e riem, como pensam os judeus!

Este ensino de Nietzsche foi assumido por Isadora Duncan (1878-1927), que inventou a dança livre (1900), sendo por isso que coloquei o vídeo em sua homenagem no começo do post. De seguida, um excerto de Nietzsche sobre a dança.
“Se a minha virtude é uma virtude de dançarino e se, muitas vezes, saltei a pés juntos para um enlevo feito de ouro e de esmeralda; se a minha malícia é uma malícia risonha, afeia às encostas cobertas de rosas e às sebes dos lírios; é que no riso tudo o que é mal se junta, mas santificado e absolvido pela sua própria felicidade – e se o meu alfa e ómega consiste em todo o peso se tornar leve, todo o corpo se fazer dançarino e todo o pássaro se metamorfosear em ave – e, em verdade, esse é o meu alfa e ómega! -, oh!, como não haveria eu de aspirar à eternidade e ao anel nupcial dos anéis … ao anel  do Retorno?
Ainda nunca encontrei a mulher de quem gostaria de ter filhos, a  não ser essa mulher que eu amo: porque te amo, ó eternidade!
Pois eu te amo, ó eternidade!”
Cf. Nietzsche, “Os Sete Selos”, § 6”, in Assim Falava Zaratustra, Ed. Círculo de Leitores, pp. 269-0

DEDICATÓRIA: ofereço este post à minha mulher, que tem a paixão da dança, e à sua mestra Cláudia, com votos de recuperação da sua saúde!

segunda-feira, 11 de março de 2013

A arte como caminho para a verdade em Nietzsche

A arte, sobretudo a música, acede à visão da unidade do ser, na qual todas as fronteiras do conceito de uma racionalidade calculante são estilhaçadas. Ora, não é isto um modo de aceder a um outro tipo de verdade ontológica, desta vez pela mediação da arte? Com efeito, o que Nietzsche aqui critica é uma determinada configuração da verdade, como bom discípulo críptico e crítico do mestre Hegel, embora talvez sem disso ter consciência. Como pensa Heidegger, Nietzsche encerra a grande tradição metafísica de obliteração do ser, e cria as condições para o salto para a era ontológica, de recuperação da verdade do ser do ente. Também a sua obra sobre a essência da arte vai neste sentido.
A razão está em Nietzsche intimamente conectada com o corpo, que procura em permanência preservar e intensificar a vida, não sendo assim pensável como instância soberana deste mas sua serva. O princípio em que se funda esta exigência do corpo é a vontade de poder.
Por isso, os conceitos são ficções necessárias à manutenção da vida, como mostra a sua obra Acerca da verdade e da mentira  num sentido extramoral (1873). 
Na sua reflexão sobre o logos ocidental, Nietzsche, a partir de 1886, toma consciência de que este "é habitado por uma força mais heraclitiana do que parmenideana , mais dissolvente do que agregadora, à qual chama "força da veracidade” ("wahrhaftigkeit"), (1), e em relação à qual ainda ninguém foi suficientemente verídico.
Neste âmbito, somos forçados a concluir que há um modelo de verdade (realista, como adequação à coisa e que foi dominante até Leibniz e Kant), que se encontra em processo de dissolução, mas que se afirma com toda a pujança doravante um outro modelo de verdade - a veracidade -, aberto à mudança, à diversidade , à complexidade, ficando a ciência desprovida de qualquer fundamento último.
Trata-se de uma verdade perspectivística, cambiante e plural, "em equilíbrio e em dialéctica entre os impulsos de preservação (a desmascarar pela força da veracidade) e as forças desmistificantes e contramitológicas que estarão ao serviço daquela veracidade"(2).
Notas 1 e 2: cf. António Marques, Perspectivismo e Modernidade, Editorial Vega, pp. 90 e 104.