O "primeiro corpo" foi definido nestes termos : “é aquele que é um quase objeto, que nos é o mais próximo possível da nossa intimidade. É o corpo que nos tem”. Vários autores falam do corpo neste sentido: tanto no domínio da literatura (por ex. Vergílio Ferreira) como na filosofia (Merleau-Ponty, Michel Henry, Maine de Biran).
O exemplo escolhido pelo conferencista como exemplificação o escritor português, que pensa e escreve a partir de uma tipologia e de uma linguagem
ontológicas de matriz fenomenológica (Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty).

Esta filiação fenomenológica deste escritor não se altera
substancialmente ao longo da sua obra, manifestando-se com um pendor mais
romanesco ou mais filosófico consoante a obra em causa. O corpo é sempre dado numa intuição dotada de
evidência e é nele que reside o “eu”. Esta solidarização do corpo por com o “eu”
surge reafirmada em Invocação ao meu
Corpo (1969): “Regressas ao teu corpo, dizes “sou eu” (p.70); e “Regresso a
mim, ao meu “corpo” onde todo o milagre aconteceu (…) na brevidade de um
pequeno ser, “eu”. E todavia (…) Trago em mim a força monstruosa de
interrogar.”( p.15).
Os limites desta abordagem fenomenológica do corpo são de
seguida referidos. Com efeito,a fenomenologia tem vindo a ser erodida de vários
horizontes: tanto a partir do interior do movimento, como o faz Lévinas, e do seu exterior, por ex. José Gil, ambos
convocados nesse momento.
Emmanuel Lévinas usa o método fenomenológico até à exaustão dos
seus limites, invertendo-o: a interação entre o sujeito e o outro é
assimétrica, na medida em que o rosto interpela e convoca aquele à
responsabilidade aquém da consciência, não podendo tal mandamento ser um
fenómeno do qual se tem uma intuição. O plano ontológico da consciência fica
subordinado a um plano de determinações que lhe são anteriores, aquém ou além
da consciência.
Este conceito de imagens nuas, que nascem a partir do
inconsciente e das forças que o estruturam, vem modificar os conceitos de
visível e de invisível da fenomenologia de Merleau-Ponty. Assim, para Gil o
invisível não é a suspensão da sua apreensão na presença do visível, mas é uma
apreensão posta ao contrário da do visível.
A consequência decorrente
da leitura de Gil é clara: a abordagem fenomenológica do corpo perde
funcionalidade ao não tomar em linha de conta este fundo energético – o
significante flutuante – a partir do qual se pode ou deve fazer a semiose do
visível, produzindo a significação inteligível dos movimentos e das expressões em
que o corpo se manifesta.