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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O jornalismo ao serviço da verdade: o exemplo de Ryszard KapuscinsKi



Ryszard  KapuscinsKi (1932-2007) foi um escritor e jornalista polaco que ficou célebre pelas reportagens que realizou, a partir de 1981, sobre os conflitos sangrentos e os problemas humanos (a pobreza e a fome) que assolaram a América Latina, a África e o Médio Oriente durante esse período.
Imerso no quente das situações, relatou-as com a sua crueza e objetividade (sendo por isso conhecido como o Heródoto dos tempos modernos), ao arrepio dos critérios que dominam, na maioria dos casos, o jornalismo mundial. Por esta razão, o seu gesto só enobrece a profissão do jornalismo que o sabe ser, sendo uma denúncia dos seus simulacros e um apelo a todos os jornalistas para que mantenham a coragem de permanecer fiéis à sua ética profissional.
Deixo um pequeno excerto de uma obra sua traduzida em português:

“Que histórias a imprensa mundial publica! Li muitas das notícias enviadas de Luanda naqueles dias. Admirei a opulência da fantasia humana. Mas também compreendia o impasse em que se encontravam os meus colegas. O diretor do jornal manda um repórter a um país que é fascinante para o mundo inteiro. Uma viagem dessas custa muito dinheiro. O mundo está à espera de uma grande história, de um furo jornalístico, uma narrativa sensacional escrita debaixo de uma chuva de balas. O correspondente especial chega de avião a Luanda. É levado para o hotel. Arranjam-lhe um quarto, barbeia-se e muda de camisa. Está pronto e sai imediatamente para procurar os combates.” (KapuscinsKi, 1998: 83).

Ryszard KapuscinsKi, Os cínicos não servem para este ofício, Relógio d’Água (reimpressão), 2008.




segunda-feira, 11 de março de 2013

A arte como caminho para a verdade em Nietzsche

A arte, sobretudo a música, acede à visão da unidade do ser, na qual todas as fronteiras do conceito de uma racionalidade calculante são estilhaçadas. Ora, não é isto um modo de aceder a um outro tipo de verdade ontológica, desta vez pela mediação da arte? Com efeito, o que Nietzsche aqui critica é uma determinada configuração da verdade, como bom discípulo críptico e crítico do mestre Hegel, embora talvez sem disso ter consciência. Como pensa Heidegger, Nietzsche encerra a grande tradição metafísica de obliteração do ser, e cria as condições para o salto para a era ontológica, de recuperação da verdade do ser do ente. Também a sua obra sobre a essência da arte vai neste sentido.
A razão está em Nietzsche intimamente conectada com o corpo, que procura em permanência preservar e intensificar a vida, não sendo assim pensável como instância soberana deste mas sua serva. O princípio em que se funda esta exigência do corpo é a vontade de poder.
Por isso, os conceitos são ficções necessárias à manutenção da vida, como mostra a sua obra Acerca da verdade e da mentira  num sentido extramoral (1873). 
Na sua reflexão sobre o logos ocidental, Nietzsche, a partir de 1886, toma consciência de que este "é habitado por uma força mais heraclitiana do que parmenideana , mais dissolvente do que agregadora, à qual chama "força da veracidade” ("wahrhaftigkeit"), (1), e em relação à qual ainda ninguém foi suficientemente verídico.
Neste âmbito, somos forçados a concluir que há um modelo de verdade (realista, como adequação à coisa e que foi dominante até Leibniz e Kant), que se encontra em processo de dissolução, mas que se afirma com toda a pujança doravante um outro modelo de verdade - a veracidade -, aberto à mudança, à diversidade , à complexidade, ficando a ciência desprovida de qualquer fundamento último.
Trata-se de uma verdade perspectivística, cambiante e plural, "em equilíbrio e em dialéctica entre os impulsos de preservação (a desmascarar pela força da veracidade) e as forças desmistificantes e contramitológicas que estarão ao serviço daquela veracidade"(2).
Notas 1 e 2: cf. António Marques, Perspectivismo e Modernidade, Editorial Vega, pp. 90 e 104.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Verdade e justiça: da utopia à bruta realidade




Luca (pensativo para Bubnov):  - “Tu dizes: a verdade … Mas isso nem sempre é remédio para todos os males … A alma nem sempre se cura com a verdade… Conheço um caso: havia um homem que acreditava na existência de uma terra da verdade e da justiça …
Bubnov : - Em quê?
Luca: Numa terra da verdade e da justiça … “Deve haver no mundo”, dizia ele, “uma terra dessas onde vivem homens especiais … homens bons… que se estimam uns aos outros, e se ajudam, de uma maneira decente …” Entre eles tudo iria bem.. E então pensava partir à procura dessa terra da verdade. Era pobre, vivia mal, mas mesmo nos piores momentos, quando quase não tinha forças para viver, mesmo assim, não perdia a coragem … “Não é nada”, dizia ele, com um sorriso, “isto há-de passar… terei ainda um pouco de paciência, depois abandonarei tudo isto e partirei para o país da verdade …” Era essa a sua única alegria, a sua única esperança – a tal terra da verdade …

Pepel: - E foi lá?
Bubnov: - Onde? Oh! Oh!
Luca: - E então um dia chegou a esses sítios – era na Sibéria – um deportado político, um sábio … que vinha cheio de livros e mapas e uma quantidade de coisas parecidas … Foi então que o meu bom do homem disse ao sábio: “Mostra-me aí, se faz favor, onde está afinal a terra da verdade e qual é o caminho que lá conduz?” O sábio abriu imediatamente os livros, desdobrou os mapas… procurou, procurou…“Não há país da verdade em parte nenhuma. Tudo aí está anotado, todos os países indicados, mas da terra da verdade e da justiça, nada ...”
Pepel: - E então? Então não existe?
                                     (Bubnov ri às gargalhadas)
Cala-te!... E depois avô?
Luca: - O nosso homem não o acreditava … “Deve haver”, dizia ele … “procura melhor… Senão, os teus livros e mapas são bons para deitar fora, se lá não está a terra da verdade …” O sábio ofendeu-se com isto … “Os meus mapas”, disse ele, “são os mais exatos de todos e a terra da verdade não existe.” Então o homem zangou-se. “Como assim? Vivi todo este tempo!... Todo este tempo sofri! A minha única fé era que a terra da verdade existia, e agora os mapas dizem que não! Isto é um roubo! ...” Volta-se para o sábio e diz-lhe: “Ah! Devasso! Um sábio, tu? ... Um gatuno, sim!... Toma para ti!...” E põe-lhe um olho negro! Pan! Pan! (Após um momento de silêncio) Depois voltou para casa e enforcou-se…”

(cf. Máximo Gorki, Albergue Noturno, Ed. Europa-América, pp. 131-4)