O Tempo
Abraço a espiga do tempo,
a minha cabeça é uma torre de fogo.
O que é este sangue que palpita na areia
e o que é este ocaso?
Chama do presente, o que podemos dizer?
Na minha garganta estão os fragmentos da História
e no meu rosto os sinais do sacrifício.
Que amargo é agora a linguagem!
E que estreita a porta do alfabeto!
Abraço a espiga do tempo
A minha cabeça é uma torre de fogo.
Converteu-se o amigo em carrasco?
Um vizinho disse-me: quanto tarda Hulagu a chegar!
Quem bate à porta? O cobrador de impostos?
Paga-lhe o imposto … silhuetas de mulheres
e de homens … imagens que caminham …
Trocámos sinais, intercambiámos segredos.
Os nossos passos são uma fila de mortos.
O teu morto vem do teu Senhor
ou o teu Senhor vem do teu morto?
Perdido pelo enigma, inclina-se
o arco do terror sobre os seus dias encurvados.
- Ele tinha um irmão. Desapareceu. O meu pai enlouqueceu.
Os meus irmãos morreram. A quem chamar?
Temos que abraçar a porta, suplicar ao tapete?
- Delira. Traz a caixa de rapé e cura-o com o rapé dos sábios.
Cadáveres que o assassino lê como se fossem anedotas.
O montão é um celeiro de ossos, a cabeça de um menino
ou um pedaço de carvão?
( …)
Selai estes ventos inconvenientes.
A História foi degolada
e isto não é mais do que o prelúdio.
Deixai ao verdugo, à vítima e ao sacrifício como mártires
e cobri-me com os seus restos
e desenhai-me uma ruína.
Assim arrancarei a sabedoria do seu jazigo
E gritarei: bem-vindos os meus escombros, a minha decadência.
Amanhã a morte soprar-me-á sem que me extinga,
amanhã sairei da luz para ir em direção a outra luz.
Certo de que sou mais frágil do que um fio
mas mais nobre do que um deus.
(…)
Adonis, excerto do poema “O Tempo”, in O Assédio de Beirute, 1985 . Esta tradução pessoal do excerto foi obtida a partir da espanhola, de María Luisa Prieto, que pode ver no site dedicado à poesia árabe.
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terça-feira, 26 de março de 2013
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Íthaca
ÍTACA
Quando, de volta,
viajares para Ítaca
roga que tua rota seja longa,
repleta de peripécias, repleta de conhecimentos.
Aos Lestrigões, aos Cíclopes,
ao colério Posêidon, não temas:
tais prodígios jamais encontrará em teu roteiro,
se mantiveres altivo o pensamento e seleta
a emoção que tocar teu alento e teu corpo.
Nem Lestrigões nem Cíclopes,
nem o áspero Posêidon encontrarás,
se não os tiveres imbuído em teu espírito,
se teu espírito não os sucitar diante de si.
roga que tua rota seja longa,
repleta de peripécias, repleta de conhecimentos.
Aos Lestrigões, aos Cíclopes,
ao colério Posêidon, não temas:
tais prodígios jamais encontrará em teu roteiro,
se mantiveres altivo o pensamento e seleta
a emoção que tocar teu alento e teu corpo.
Nem Lestrigões nem Cíclopes,
nem o áspero Posêidon encontrarás,
se não os tiveres imbuído em teu espírito,
se teu espírito não os sucitar diante de si.
Roga que sua rota seja
longa,
que, mútiplas se sucedam as manhãs de verão.
Com que euforia, com que júbilo extremo
entrarás, pela primeira vez num porto ignoto!
Faze escala nos empórios fenícios
para arrematar mercadorias belas;
madrepérolas e corais, âmbares e ébanos
e voluptosas essências aromáticas, várias,
tantas essências, tantos arômatas, quantos puderes achar.
que, mútiplas se sucedam as manhãs de verão.
Com que euforia, com que júbilo extremo
entrarás, pela primeira vez num porto ignoto!
Faze escala nos empórios fenícios
para arrematar mercadorias belas;
madrepérolas e corais, âmbares e ébanos
e voluptosas essências aromáticas, várias,
tantas essências, tantos arômatas, quantos puderes achar.
Detém-te nas cidades
do Egito - nas muitas cidades -
para aprenderes coisas e mais coisas com os sapientes zelosos.
Todo tempo em teu íntimo Ítaca estará presente.
Tua sina te assina esse destino,
mas não busques apressar sua viagem.
É bom que ela tenha uma crônica longa duradoura,
que aportes velho, finalmente à ilha,
rico do muito que ganhares no decurso do caminho,
sem esperares de Ítaca riquezas.
Ítaca te deu essa beleza de viagem.
Sem ela não a terias empreendido.
Nada mais precisa dar-te.
Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
bem compreenderás o sentido das Ítacas.
para aprenderes coisas e mais coisas com os sapientes zelosos.
Todo tempo em teu íntimo Ítaca estará presente.
Tua sina te assina esse destino,
mas não busques apressar sua viagem.
É bom que ela tenha uma crônica longa duradoura,
que aportes velho, finalmente à ilha,
rico do muito que ganhares no decurso do caminho,
sem esperares de Ítaca riquezas.
Ítaca te deu essa beleza de viagem.
Sem ela não a terias empreendido.
Nada mais precisa dar-te.
Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
bem compreenderás o sentido das Ítacas.
Konstantinos Kaváfis, poeta grego
Konstantinos
Kaváfis (1863-1933
(Trad. Haroldo de Campos)
(Trad. Haroldo de Campos)
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