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Ilustração de Francisco Martins |
A editorial Temas e Debates publicou este ano a obra Pensar, Depressa e Devagar, de Daniel
Kahneman. Este autor foi laureado em 2002 com o Prémio Nobel da Economia, mas a
sua formação é na área da psicologia cognitiva, centrando-se no campo do juízo
e da tomada de decisão.
Por esta razão, a obra é importante para um economista
porque a teoria da decisão aqui exposta, designada “teoria da prospetiva” (“prospect
theory”) vem falsificar substancialmente
os pressupostos da teoria económica hegemónica, de raiz neoclássica.
A teoria considera que
há dois sistemas de pensamento, que agem na tomada de decisão: o sistema 1, rápido,
automático, associativo e praticamente fora de controlo; e o sistema 2, lento, controlável,
de encadeamento serial e passível de regulação.
Em muitas situações (por
ex., a pressão do tempo para a tomada da decisão), o sistema 2 não é ativado,
ou se é, sofre modificações derivadas de informações que se introduzem no
sistema 1.
A partir deste quadro, a
tomada de decisão deixa de obedecer à conceção determinista imanente ao modelo teleológico
em que funciona a teoria da ação da escola neoclássica da economia. Por isso,
na explicação da decisão tem de ser tomada em linha de conta as componentes da
subjetividade humana (crenças, valores, experiência, memória).
A teoria
da ação da escola neoclássica de economia (Menger, Pareto, Walras, Hicks, Allen,
Samuelson) tem sido o paradigma de pensamento, na macro como na microeconomia. Os
dois conceitos básicos a partir dos quais se estruturou a teoria são: utilidade
e racionalidade.
Ora,
definir a ação a partir da de utilidade que se pretende alcançar é desde logo
optar por um modelo explicativo daquela de tipo teleológico e
consequencialista.
O
conceito de utilidade é interpretado naquela escola em termos de índice de
preferências e não em termos de satisfação orientada à obtenção do prazer
(posição hedonista de Bentham), minimizando a dor.
A preferência na teoria neoclássica é descrita em
função de três critérios: a atitude mental do agente em face das alternativas;
o desejo de maximização da satisfação a alcançar; a dimensão pessoal, que torna
impossível recorrer a qualquer explicação racional, baseada numa conformação
comum do pensamento dos agentes ou numa normatividade socialmente determinada.
O conceito de racionalidade não pode, pelo que se
disse da “a-racionalidade” das preferências individuais, ser definido
teleologicamente. Por isso, a racionalidade passa a ser definida não em termos
substantivos (como a justificação dos fins a alcançar) mas em termos
instrumentais.
Assim, a
racionalidade na teoria neoclássica consiste na ordenação coerente, por parte
do agente, tanto das várias alternativas da sua ação como dos meios de que
dispõe para alcançar cada uma delas, como a relação de cada meio com as
finalidades que com ele se alcançam.
É a racionalidade do agente que lhe permite: selecionar
e deliberar quanto aos meios adequados e ao seu uso eficiente; selecionar os
fins que se podem alcançar em função dos meios disponíveis; derivar os fins da
escolha dos meios a utilizar para a sua consecução.
Este modelo de racionalidade do agente da teoria neoclássica não resiste
à abordagem científica de Daniel Kahneman e de Amos Tversky, pois eles comprovaram
experimentalmente que, nas situações de escolha, não se inclui a avaliação dos
acontecimentos incertos de acordo com as leis da probabilidade, nem tampouco se
segue a teoria da maximização da utilidade esperada.
Tal facto deve-se ao facto de as pessoas terem uma compreensão
distorcida dos fenómenos probabilísticos, avaliando a situação não em função da
variável da utilidade esperada (segundo o modelo finalista da teoria da ação)
mas em função da experiência de se ganhar ou perder.
Tomemos uma situação
específica de incerteza: numa série de ganhos reduzidos mas certos e de ganhos
elevados mas incertos, preferimos normalmente não arriscar e optar pelos ganhos
reduzidos mas seguros; e numa série de perdas, optamos por arriscar, mesmo com
uma pequena probabilidade, quando enfrentamos perdas elevadas. Ocorreu aqui o que
Kahneman designou por “reversão de preferências”: os ganhos tornam os agentes
mais conservadores e as perdas mais ousados.
Este último aspeto entra mesmo em contradição com a ideia de que estamos dispostos a sacrificar o consumo de hoje,
acumulando capital, para beneficiar mais tarde dos ganhos da nossa ação.
Aplicando a “Teoria
da Prospetiva” ao campo das decisões económicas, teremos:
a)
O modo como se
apresenta um problema arrasta o tipo de decisão que o agente económica venha a
tomar: investir, financiar-se etc., ou não;
b)
O valor do desprazer
associado à perda é superior ao prazer associado ao ganho;
c)
O investidor arrisca
mais quando perde e quando ganha arrisca menos.
A falsificação de uma teoria pode implicar tanto a sua substituição por
outra mais adequada como a sua reformulação. Trabalho que cabe à investigação
nas áreas da ciência económica. O sistema capitalista enquanto tal, em alguns
dos seus fundamentos, também abre algumas brechas.
Mas para já, há consequências a tirar do alcance desta inovação no
domínio da economia: a “teoria do prospecto” de Kahneman e de Tversky deve ser
usada como ferramenta estratégica das políticas económicas do Governo, na
medida em que através dela o valor da incerteza é ponderado no âmbito
previsional.
A TSF considerou Pensar, depressa e devagar o seu livro do dia em 3 de Abril de 2012.