UMA CANÇÃO NO DESERTO
(...)
EM VÃO desenhas corações
na janela:
o Duque do
Silêncio
arregimenta soldados no
pátio do castelo.
Iça na árvore o seu
estandarte - folha que azula quando o outono entra;
distribui pelo exército as folhas de erva da
melancolia e as flores do tempo;
com pássaros no cabelo
parte a enterrar as espadas.
Em vão desenhas corações
na janela: há um deus entre as legiões,
envolto no manto que um
dia te caiu dos ombros sobre as escadas, de noite,
um dia, quando em chamas o castelo se erguia,
quando falavas
como falam os homens: Amada...
Ele não conhece o manto
e não invocou a estrela e segue aquela folha
ondeando à sua
frente.
"oh, folha de
erva", julga ele ouvir, "oh, flor do tempo"
Paul Celan, Papoila e Memória, 1952