Vale sempre a pena recordar que, ao longo da cultura grega e do pensamento
de tradição cristã, o tema da desobediência civil à autoridade foi, em vários
autores e em vários momentos, objeto de consideração.
Com efeito, como S. Tomás estatuiu, o poder não tem legitimidade em duas
situações: quando é alcançado por um ato de usurpação e quando se desvia no seu
exercício de realizar a sua principal função, construir uma sociedade mais
justa.
Como exemplo de reflexão sobre o tema, tomo este excerto da Cidade de Deus, de S. Agostinho, Livro IV, Capítulo IV:
“O que são os impérios sem a justiça senão grandes
reuniões de salteadores? E uma reunião de salteadores não é outra coisa senão
um pequeno império, pois que ela forma uma espécie de sociedade governada por
um chefe, ligada por um contrato e em que a partilha do saque se faz segundo
certas regras previamente estabelecidas?
Não é de espantar que os impérios, súcia de
malfeitores, recrutem homens venais para se apoderarem de lugares e aí fixarem
a sua dominação, tomando cidades, subjugando os povos, venham a
receber o nome de reino, não porque se tenham despojado da sua cupidez
mas porque souberam aumentar a sua impunidade.
Foi o que um pirata, que caiu no poder de Alexandre o
Grande, soube muito bem dizer-lhe com razão e espírito. Tendo-lhe o rei
perguntado porque atormentava o mar, ele respondeu-lhe com altivez:
“Com o mesmo direito com que tu atormentas a terra.
Mas como apenas tenho um pequeno navio, chamam-me pirata, enquanto tu, por
teres uma grande frota, te chamam conquistador.”