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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A dialética da amizade e da justiça



A amizade é uma experiência de abertura ao outro que elide o encapsulamento na subjetividade autárcica do eu. Assim sem ela o indivíduo soçobraria na impotência de uma solidão mortal, negando a sua condição comunitária. Como diz Nietzsche:
“”Eu e Mim estão empenhados num diálogo demasiado veemente. Como seria ele suportável, se não houvesse o Amigo? Para o solitário, o amigo é sempre um terceiro; o terceiro é o flutuador a impedir o diálogo dos dois de se afundar.” (“Do amigo”, Assim falava Zaratustra, Nietzsche)
Mas a amizade, experiência intersubjetiva, traz dentro de si um dinamismo que a lança para outras direções, mais universais. Sendo um bem individual de natureza expansiva, pois todo o bem tende a difundir-se, como dizem os escolásticos, podemos pensá-la na sua afinidade com a justiça, como uma sua alegoria.
É neste sentido que Aristóteles diz:
“... A amizade e a justiça referem-se aos mesmos objetos e têm os mesmos caracteres comuns. (...) A medida da associação é a da amizade e também do direito e do justo. Como diz com exatidão o provérbio: “entre os amigos tudo é comum” porque é na comunidade que se manifesta a amizade.” (Aristóteles, “Capítulo IX, Livro VIII”, Ética)
A amizade não se confina assim nos limites da particularidade, mas expande-se na práxis política, vetoriada pela ideia da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que cimenta a concórdia social.

Continuaremos sempre a ter necessidade de afirmar a amizade, para além das condições que a negam, liquidam ou desvirtuam, como um valor necessário à própria concreção de uma sociedade democrática justa. Pelos atos com que nos damos, na gratuitidade e alegria, não apenas aos nossos mas a todos os outros.  



quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A mão que assinou o papel… Dylan Thomas



O poema de Dylan Thomas (1914-1953) que se transcreve pertence à obra Vinte e cinco poemas, publicada em 1936. Pode ser lido como uma alegoria de condenação de todas as formas de tirania, religiosa - política, social, económica - nas suas alusões à "fome" e aos "gafanhotos", que “trituram a respiração” dos homens, condenando-os à morte. Contém deste modo uma mensagem intemporal, que é oportuno meditar.

A mão que assinou o papel… 

A mão que assinou o papel destruiu uma cidade
cinco soberanos dedos tributaram a respiração,
de mortos duplicaram o mundo, a meio cortaram um país:
estes cinco reis provocaram a morte de um rei.

A poderosa mão conduz a um ombro descaído;
Sofrem cãibras as junturas dos dedos engessados.
Uma pena de pato pôs fim ao morticínio
que tinha posto fim às negociações.

A mão que assinou o tratado engendrou febre,
e aumentou a fome, e vieram gafanhotos:
grande é a mão que sobre todos impera
com o gatafunho de um nome.

Os cinco reis contam os mortos, mas não acalmam
a crosta das f’ridas nem a fronte afagam.
Há mãos que regem a piedade, outras o céu:
só não as há que vertam lágrimas.

Dylan Thomas, “The Hand That Signed the Paper”, in Twenty five Poems, trad. de David Mourão-Ferreira