Esta poesia de Alexandra Pizarnik (como toda a sua produção poética) é uma meditação convulsiva, de carácter eminentemente confessional sobre o sentido da existência, marcado pela disjunção entre um “dentro” (o mundo intimo da poetisa é o espaço dessa meditação) e um “fora” (o mundo dos outros marcado pela alegria de estarem vivos).
Estruturada com base na disjunção luz/trevas, que apontam para a vida e a morte, são marcadas as duas atitudes fundamentais em face da existência: a do senso-comum e a filosófica.
A primeira atitude é o dos que olham a existência do seu lado de fora, o luminoso: o estar vivo e a fruição que nisso se alcança.
A segunda atitude é a de quem, como o poeta ou o filósofo, têm a coragem de olhar a existência do seu lado mais íntimo, que é a sua finitude que conduzirá à morte.
E não recalcando a morte mas trazendo-a à superfície da consciência, o poeta dilacerado por extremo sofrimento, só pode pedir socorro a alguém (“aceno lenços na noite”), mas ninguém o ouve ou ninguém vem, e por isso ele encena o seu próprio luto “eu me visto de cinzas”.
Embora pareça uma poesia de desistência, de que olha mais para a morte do que para a vida, não é assim. Porque quem assume a sua morte, e é capaz de fazer o seu luto, torna-se capaz de viver de outro modo, diferente do habitual.
A liberdade, que se considerou ao longo da tradição filosófica do Ocidente o fundamento da existência, esbarrando com o que a desafia na sua essência, a morte, acaba por ter de perder esse direito, que se diz correntemente inalienável.
Tornando necessário remontar aquém dessa essência, descobrindo no sujeito uma passividade radical, a partir da qual ele é afetado não apenas por tudo o que o cerca no mundo, mas por todos os outros e pela sua corporeidade mortal. Esse ser afetado transfigura a natureza e o sentido dessa liberdade.
É a partir desse abismo, que a liberdade individual delimita os contornos da sua ação, devendo considerar sempre no seu projeto de transformação a sua condição finita, passando a ser concebida não com um direito próprio de um indivíduo mas como um recurso que este deve pôr ao serviço dos outros e da melhoria das suas condições de vida.
Assumir a morte e pôr a liberdade a rodar em torno de uma órbita que lhe é exterior são condições necessárias, e urgentes, para abrir aquilo que Lévinas chamou “o humanismo de um outro homem”.
“Eu não presto muita atenção a François Hollande, o presidente da
França, desde que ficou claro que ele não romperia com a ortodoxia de
políticas de austeridade, destrutivas da Europa. Mas agora ele fez algo realmente escandaloso.
É claro que não estou a falar de seu suposto caso com uma atriz, que,
mesmo se verdadeiro, não é surpreendente (ei, trata-se da França) nem
perturbador. Não, o que é chocante é ele ter abraçado as doutrinas
económicas desacreditadas da direita. É um lembrete de que os apuros
económicos da Europa não podem ser atribuídos exclusivamente às más
ideias da direita. Sim, os conservadores equivocados e insensíveis estão
a promover as políticas, mas eles são encorajados e autorizados por
políticos covardes e trapalhões da esquerda moderada. No momento, a
Europa parece estar a sair da sua recessão dupla, estando a crescer um
pouco. Mas esse ligeiro crescimento ocorre após anos de desempenho
desastroso. Quão desastroso? Considere: em 1936, a sete anos e meio da
Grande Depressão, grande parte da Europa estava a crescer rapidamente,
com o PIB real per capita a atingir constantemente novos pontos altos.
Em comparação, o PIB per capital real europeu atualmente ainda está bem
abaixo de seu pico em 2007 – e a crescer lentamente, na melhor das
hipóteses. Ter um desempenho pior do que na Grande Depressão é,
alguém poderia dizer, um feito notável. Como é que os europeus
conseguiram isso? Bem, nos anos 30, a maioria dos países europeus acabou
por abandonar a ortodoxia económica: eles abandonaram o padrão ouro;
eles pararam de tentar equilibrar os seus orçamentos; e alguns deles
começaram a reforçar as suas forças armadas, o que teve o efeito
colateral de fornecer estímulo económico. O resultado foi uma forte
recuperação de 1933 em diante. A Europa moderna é um lugar muito
melhor, moral, politicamente e em termos humanos. Um compromisso
compartilhado com a democracia promoveu uma paz durável; as redes de
bem-estar social limitaram o sofrimento do desemprego elevado; uma ação
coordenada conteve a ameaça do colapso financeiro. Infelizmente, o
sucesso do continente em evitar o desastre teve o efeito colateral de
permitir aos governos agarrarem-se a políticas ortodoxas. Ninguém
abandonou o Euro, apesar de ser um colete de força monetário. Sem a
necessidade de expandir os gastos militares, ninguém rompeu com a
austeridade fiscal. Em todo o lado se está a supor ser segura tal
orientação, responsável – e a crise económica persiste. Nesse
cenário deprimido e deprimente, a França não se está a sair
particularmente mal. Ela, obviamente, está atrás da Alemanha, que é
escorada no seu formidável setor de exportação. Mas o desempenho francês
é melhor do que o da maioria dos demais países europeus. E não estou a
falar apenas dos países com crise da dívida. O crescimento francês
ultrapassou até mesmo o de pilares da ortodoxia, como a Finlândia e a
Holanda. É verdade que os dados mais recentes mostram que a França
está a fracassar em compartilhar a melhoria geral da Europa. A maioria
dos observadores, incluindo o Fundo Monetário Internacional, atribui
essa recente fraqueza, em grande parte, às políticas de austeridade. Mas
agora Hollande anunciou os seus planos para uma mudança de curso da
França – e é duro não sentir uma sensação de desespero. Para
Hollande, ao anunciar a sua intenção de reduzir impostos das empresas e
reduzir gastos (não especificados) para compensar o custo, declarou: "É
no lado da oferta que precisamos agir"; e ainda declarou que "a oferta
na verdade cria procura". Ai, ai! Isso repete, quase palavra por
palavra, a falácia há muito desmentida, conhecida como Lei de Say – a
proposição de que quedas gerais na procura não podem acontecer, porque
as pessoas precisam gastar o seu rendimento em algo. Isso não é verdade e
não é realmente verdade de modo prático no início de 2014. Todas as
evidências dizem que a França está inundada de recursos produtivos,
tanto de trabalho quanto de capital, que estão ociosos porque a procura é
inadequada. Como prova, basta apenas olhar para a inflação, que está a
cair rapidamente. Na verdade, tanto a França quanto a Europa como um
todo estão a chegar perigosamente perto de uma deflação ao estilo do
Japão.” Então qual é a importância do fato de Hollande, ainda mais neste momento, adotar essa doutrina desacreditada?
Como eu disse, é um sinal da desventura do centro-esquerda europeu. Por
quatro anos, a Europa tem estado possuída por uma febre de austeridade,
com resultados em grande parte desastrosos; diz muito o fato da leve
melhoria atual estar a ser saudada como se fosse um triunfo político.
Diante das dificuldades que essas políticas infligiram, seria possível
esperar que os políticos de esquerda defendessem fortemente uma mudança
de curso. Mas, em toda parte na Europa, o centro-esquerda ofereceu (como
no Reino Unido, por exemplo), na melhor das hipóteses, críticas fracas e
sem entusiasmo, e frequentemente apenas se submeteu servilmente.
Quando Hollande se tornou líder da segunda maior economia do Euro,
alguns de nós esperavam que ele poderia erguer-se contra isso. Em vez
disso, ele caiu na submissão habitual – que agora se transformou em
colapso intelectual. E a segunda depressão da Europa prossegue.” Artigo de Paul Krugman, traduzido em Português e publ. no NYT de 16/01/2014 Scandal in France http://www.nytimes.com/2014/01/17/opinion/krugman-scandal-in-france.html?_r=0
Um corpo que dança, além de movimentar-se a compasso, tem de o fazer com leveza para que se torne gracioso. Costuma dizer-se de um bom dançarino que ele tem o pé leve.
Ora, Nietzsche, um filósofo alemão do final do século XIX, pretendia pensar as condições que tornassem possível um pensamento fiel à terra, isto é, que fosse capaz de encontrar a raiz fundamental que liga o ser humano à vida do mundo, a contrapelo da matriz metafísica platónica dominante na cultura ocidental.
Esta matriz metafísica platónica, que se teria prolongado na ciência moderna, tinha feito tábua-rasa da emoção primordial que está na origem das culturas, afastando o homem para reinos ilusórios, sendo necessário recuperar esta dimensão poética da vida, tanto nos indivíduos como nas culturas.
É neste quadro que Nietzsche olha para a dança como metáfora do pensamento da leveza, em oposição a um pensamento pesado dos sistemas, que procuram pela força da sua armação conceptual traduzir o ser, a vida. Mas, em vez da vida na sua exuberância, feita de sofrimento e de júbilo, oferecem um simulacro ou um arremedo de vida.
A dança, como o riso e a malícia, antídotos do espírito de gravidade, tornam-se assim para Nietzsche o alfa e o ómega de uma existência em consonância com o ser, em movimento de eterna destruição e criação, de sofrimento e de júbilo.
Se aprendermos esta lição com Nietzsche, alcançaremos a verdadeira essência da dança, cuja gratuitidade nos torna humanos, demasiado humanos. E tornar-nos-emos também dançarinos da nossa própria vida, mais próximos dos deuses, que também dançam e riem, como pensam os judeus!
Este ensino de Nietzsche foi assumido por Isadora Duncan (1878-1927), que inventou a dança livre (1900), sendo por isso que coloquei o vídeo em sua homenagem no começo do post. De seguida, um excerto de Nietzsche sobre a dança.
“Se a minha virtude é uma virtude de dançarino e se, muitas vezes, saltei a pés juntos para um enlevo feito de ouro e de esmeralda; se a minha malícia é uma malícia risonha, afeia às encostas cobertas de rosas e às sebes dos lírios; é que no riso tudo o que é mal se junta, mas santificado e absolvido pela sua própria felicidade – e se o meu alfa e ómega consiste em todo o peso se tornar leve, todo o corpo se fazer dançarino e todo o pássaro se metamorfosear em ave – e, em verdade, esse é o meu alfa e ómega! -, oh!, como não haveria eu de aspirar à eternidade e ao anel nupcial dos anéis … ao anel do Retorno?
Ainda nunca encontrei a mulher de quem gostaria de ter filhos, a não ser essa mulher que eu amo: porque te amo, ó eternidade!
Pois eu te amo, ó eternidade!”
Cf. Nietzsche, “Os Sete Selos”, § 6”, in Assim Falava Zaratustra, Ed. Círculo de Leitores, pp. 269-0
DEDICATÓRIA: ofereço este post à minha mulher, que tem a paixão da dança, e à sua mestra Cláudia, com votos de recuperação da sua saúde!