domingo, 4 de novembro de 2012

Acarnenses: a farsa da democracia segundo Aristófanes


Acarnenses é a primeira comédia escrita por Aristófanes, encenada em 425a.C. Ela traça um retrato caricatural da cidade de Atenas, num período de crise das instituições democráticas diretamente relacionada com a guerra do Peloponeso (431-404).
O título da peça refere-se aos habitantes do demos de Acarnas, ex-combatentes da Maratona, que tinham apoiado a guerra contra Esparta por as suas terras terem sido saqueadas pelos guerreiros lacedemónios.
O carácter didático do texto é expresso pelo próprio autor: «O que é justo também é do conhecimento da comédia. Ora o que eu vou dizer pode ser cáustico, mas justo é.” 
Uma marca deste caráter didático pode ver-se nos nomes de alguns personagens, que têm uma significação alegórica: Diceópolis, o personagem principal, significa cidade justa; Anfíteo é um nome divino.
O Coro vai modulando a sua posição ao longo do desenvolvimento da intriga, vindo a reconhecer o serviço que o poeta prestou à comunidade, ao provar o valor da democracia para as cidades e ao pôr a nú os maus costume de que ela enferma. 
O eixo central da comédia é a relação entre o público e o privado, alimentada pela disputa entre belicistas e pacifistas quanto à guerra, pelo que a sua mensagem é política, sendo o povo ateniense representado como um bando de loucos e a democracia como uma farsa.
A peça começa com Diocépolis, um camponês forçado a migrar para a cidade onde vive em condições precárias, qua aguarda a reunião da asssembleia onde o tema da discussão de um tratado de paz vai ser deliberado.
 Vendo a praça vazia, lamenta a não participação do povo na reunião da assembleia , ficando a decisão entregue nas mãos de políticos profissionais, por regra demagogos, revelando uma contradição do sistema democrático: os destinos da comunidade, cujo governo pertence a todos (público) fica, afinal, entregue ao cuidado de poucos (privado), deixando a porta aberta a todo o arbítrio e venalidade.
Começada a assembleia, Anfíteo faz essa proposta, mas é rechaçado com ordem de prisão.  Diceópolis tenta reverter a situação, mas sem sucesso, dizendo:
“senhores prítanes, prejudicais o interesse da assembleia ao expulsar esse homem que deseja concertar uma paz conveniente e fazer que suspendais os escudos.”
Neste breve momento em que apenas dois indivíduos se manifestam a favor da discussão de um problema central no contexto ateniense, agindo no interesse do bem comum da cidade, é logo apagado, abafado pelo conselho que desviará a sua atenção para os embaixadores que chegam da Pérsia.
Diceópolis protagoniza a voz da razão numa sociedade dominada por loucos e safados: estes teimam em alimentar a guerra com Esparta como pretexto para enriquecerem à sua custa, ficando ele cada vez mais miserável e pobre. 
Diceópolis desmascara de seguida a função das missões diplomáticas persas, na figura de Pseudartabas, como fraudes, pois vêm prometer ouro, com a conivência dos embaixadores atenienses, como manobra de diversão apenas. 
Com efeito, a sua ostentação à custa dos dinheiros públicos, que contrasta com a pobreza da maioria dos cidadãos, desmente a veracidade da proposta que fazem: por isso, é com palavras acerbas - “cus moles”- que os incita a não caírem no logro.
Diceópolis é então silenciado, a reunião é suspensa e irá fazer-se à porta fechada no Conselho (Pritaneu).  Com este estratagema, o direito de todos participarem na tomada de decisão é abolido, confinando a decisão política ao segredo dos gabinetes.
Compreendendo que a guerra não lhe convém, Diceópolis conclui uma paz privada com o inimigo, libertando-se da loucura da cidade. Assim, fugindo de uma ordem pública corrompida, procura um espaço em que possa ser o senhor absoluto de si próprio. 
Os acarnenses ficam enfurecidos ao descobrirem que Diceópolis fez um acordo de paz com os lacedemônios, apedrejando-o.
Então ele tenta, com palavras sensatas, expor as suas razões, defender-se das acusações que lhe são movidas, mas o seu direito de defesa é contestado com ameaças de ainda maior violência por parte do coro dos acarnenses:
“Coro: Raios me partam, se te dou ouvidos!
Diceópolis: Por favor, Acárnicos!
Coro: Vais morrer, já sabes, e agora mesmo.”
A democracia encontra-se subvertida na sua essência quando a violência imperante impede que o critério de resolução dos conflitos seja resolvido com recurso à livre discussão, em condições igualitárias, no espaço público. É o que está acontecendo: primeiro, na assembleia;  depois  é-lhe negado o direito de defesa contra as acusações dirigidas a um cidadão; finalmente é silenciado e suspensa a sua proposta de discussão. 
Diceópolis então, assumindo o risco de morte, proclama o que julga ser justo para a cidade e denuncia a retórica fraudulenta dos oradores que conquistam o povo com o sortilégio encantatória do seu discurso:
“Diceópolis: (...) Conheço bem a maneira de ser dos nossos aldeões, sei o prazer que sentem em ouvirem gabar-se a si próprios e à cidade, por um parlapatão qualquer, com razão ou sem ela. São estes elogios que os impedem de ver que estão a ser levados. “
A parte final da peça apresenta-nos Diceópolis reconciliado com os acarnenses e a desfrutar uma situação económica favorável, onde há lugar para o desfrute dos prazeres do mundo:
 “O primeiro semicoro: Não vedes, cidadãos a extremada prudência e discrição deste homem, que, depois de ter celebrado as suas tréguas, pode comprar quantas coisas costumam trazer os mercadores, umas úteis à casa e outras gratíssimas ao paladar?”
Este espaço de vida não admite no seu seio corruptos, todos os que simulam servir a cidade mas que servem os seus interessas privados. Enquanto microcosmo de uma totalidade, pode ser interpretado como uma sinédoque cuja significação reenvia para o horizonte da cidade democrática.
A potência heurística desse espaço, onde mora a vida honesta, livre e feliz, leva o coro a reconhecer, por fim, que o tratado de paz é o mais justo para a cidade.

1 comentário:

  1. Já naquela época a tal de "democracia" era uma merda! Essa merda democrata se aliou com o assassino comunista Stalin na Segunda Guerra para escravizar toda a Europa do Leste! Pra o inferno com a sua "democracia"!

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