quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Verdade e justiça: da utopia à bruta realidade




Luca (pensativo para Bubnov):  - “Tu dizes: a verdade … Mas isso nem sempre é remédio para todos os males … A alma nem sempre se cura com a verdade… Conheço um caso: havia um homem que acreditava na existência de uma terra da verdade e da justiça …
Bubnov : - Em quê?
Luca: Numa terra da verdade e da justiça … “Deve haver no mundo”, dizia ele, “uma terra dessas onde vivem homens especiais … homens bons… que se estimam uns aos outros, e se ajudam, de uma maneira decente …” Entre eles tudo iria bem.. E então pensava partir à procura dessa terra da verdade. Era pobre, vivia mal, mas mesmo nos piores momentos, quando quase não tinha forças para viver, mesmo assim, não perdia a coragem … “Não é nada”, dizia ele, com um sorriso, “isto há-de passar… terei ainda um pouco de paciência, depois abandonarei tudo isto e partirei para o país da verdade …” Era essa a sua única alegria, a sua única esperança – a tal terra da verdade …

Pepel: - E foi lá?
Bubnov: - Onde? Oh! Oh!
Luca: - E então um dia chegou a esses sítios – era na Sibéria – um deportado político, um sábio … que vinha cheio de livros e mapas e uma quantidade de coisas parecidas … Foi então que o meu bom do homem disse ao sábio: “Mostra-me aí, se faz favor, onde está afinal a terra da verdade e qual é o caminho que lá conduz?” O sábio abriu imediatamente os livros, desdobrou os mapas… procurou, procurou…“Não há país da verdade em parte nenhuma. Tudo aí está anotado, todos os países indicados, mas da terra da verdade e da justiça, nada ...”
Pepel: - E então? Então não existe?
                                     (Bubnov ri às gargalhadas)
Cala-te!... E depois avô?
Luca: - O nosso homem não o acreditava … “Deve haver”, dizia ele … “procura melhor… Senão, os teus livros e mapas são bons para deitar fora, se lá não está a terra da verdade …” O sábio ofendeu-se com isto … “Os meus mapas”, disse ele, “são os mais exatos de todos e a terra da verdade não existe.” Então o homem zangou-se. “Como assim? Vivi todo este tempo!... Todo este tempo sofri! A minha única fé era que a terra da verdade existia, e agora os mapas dizem que não! Isto é um roubo! ...” Volta-se para o sábio e diz-lhe: “Ah! Devasso! Um sábio, tu? ... Um gatuno, sim!... Toma para ti!...” E põe-lhe um olho negro! Pan! Pan! (Após um momento de silêncio) Depois voltou para casa e enforcou-se…”

(cf. Máximo Gorki, Albergue Noturno, Ed. Europa-América, pp. 131-4)

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