quarta-feira, 6 de março de 2013

“11 teses sobre a política”, por Jacques Rancière

1
A Política não é o exercício do poder; ela deve ser definida por si mesma como uma modalidade própria da ação levada à prática por um tipo singular de sujeito e derivando de uma classe de racionalidade específica; é a relação política o que torna possível conceber o Sujeito-Político (não o contrário).
2
O peculiar da Política é a existência de um sujeito definido pela sua participação em oposições; a Política é um tipo de ação paradoxal.
                                                               3
A Política é uma rutura própria da lógica da Arché, posto que não pressupõe simplesmente a rutura da distribuição “normal” das posições entre quem “exerce” o poder e quem o “sofre”, senão também uma rutura na ideia das “distribuições” que tornam as pessoas “adequadas” a estas posições.
4
A Democracia não é um regime político; ela é uma rutura da lógica da Arché; noutros termos, ela é a antecipação da regra na distribuição pela Arché; a Democracia é o regime da Política enquanto forma de relação que define o Sujeito-Singular.
5
O Povo – o qual é o Sujeito-da-Democracia e portanto o Sujeito-Matricial da Política – não é o “conjunto dos membros da comunidade”, ou a “classe-operária”, ou a “população”; ele é a parte suplementar em relação a qualquer das partes contáveis: assim é possível articular os “incontáveis” com a “totalidade” dos associados.
6
A essência da Política é a ação de Sujeitos-Suplementares inscritos a título de “mais-valor” em relação a qualquer totalização das partes de uma sociedade.
7
Se a Política é o traçado de uma diferença precária na distribuição das partes sociais, então a sua existência não é de modo algum necessária; pelo contrário, a Política ocorre como um acidente recorrente na história das formas-de-dominação; assim, o objeto fundamental do confronto político é a existência mesma da Política.
8
A Política é especificamente antagónica ao policiamento, o qual é uma distribuição do visível cuja Arché é a ausência de vazio e de suplemento.
9
A tarefa essencial da Política é a configuração de seu próprio espaço, de modo a que o mundo dos seus sujeitos e as suas operações resultem visíveis; a essência da Política é a manifestação do Dissenso enquanto presença de “dois mundos em um”.
10
A característica fundamental da Filosofia política consiste tanto em colocar a ação política numa modalidade específica do Ser como em ocultar o litígio que é constitutivo da Política; é na descrição mesma do mundo da Política que a Filosofia produz este ocultamento; por outra parte, a efetividade desta operação é perpetuada nas descrições não-filosóficas ou antifilosóficas deste mundo.
11
O “fim da Política” e o “retorno da Política” são duas maneiras complementares de cancelar a Política através de um relacionamento simples entre o social e os aparelhos-estatais; “consenso” é o nome vulgar deste cancelamento. (Esta tese foi um acrescento à edição que refiro)
Jacques Rancière, ‘Dix Thèses sur la politique’, Aux Bords du politique, Gallimard, 2004.


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