quinta-feira, 7 de março de 2013

Alain Badiou, um pensador da democracia

Alain Badiou, no capítulo do livro coletivo Democracia, em que estado? “o emblema democrático”, afirma que a democracia figura como o emblema dominante da sociedade política contemporânea.
Nesse sentido, enfatiza a necessidade, ainda que a título de um exercício a priori, de destituir as sociedades desse emblema para melhor se aproximar da sua realidade. Assim, inicia a sua análise ressaltando o caráter circunscrito assumido pela democracia, pois o “mundo” dos “democratas”, na prática, não se estenderia a todos, o que tornaria os seus componentes, na verdade, uma elite conservadora.
Propõe, desse modo, uma releitura daquilo que considera ser, no âmbito da filosofia, a primeira destituição do emblema democrático: o livro VIII da República, no qual Platão denomina “democracia” a um tipo de constituição. A crítica platónica não seria simplesmente reativa e aristocrática. Assim, recuperando o essencial do argumento de Platão, ao qual adere expressamente, Badiou ressalta que o mesmo se prestaria à compreensão e à crítica da democracia nas sociedades atuais.
Assim, esta democracia, propondo um ideal simbólico aos seus cidadãos – a eterna juventude como sociedade do puro prazer dos indivíduos – é cúmplice da limitação assinalada em virtude do princípio que está na base da sua organização – a propriedade privada. A solução consiste em tornar efetiva a ideia comunista autêntica, programando o desaparecimento deste Estado e das suas leis.  
Fiquemos com um excerto deste capítulo:

“... Trata-se para nós do mundo ("monde") e não de todos ("tout le monde"). O mundo, justamente, tal como em aparência existe, não é o de todas as pessoas. Porque os democratas, pessoas do emblema, pessoas do Ocidente, têm aí a situação favorável, e os outros são de um outro mundo que, enquanto outro, não é um mundo propriamente falando. Exatamente uma sobrevivência, uma zona para as guerras, as misérias, os muros e as quimeras. Neste género de mundo, de zona, passa-se o tempo a fazer as suas bagagens, para fugir do horror ou para partir, para onde? Para o local dos democratas, evidentemente, que pretendem governar o mundo e têm necessidade que se trabalhe para eles. Faz-se então a experiência que, bem a quente, sob o seu emblema, os democratas não querem nade de vocês, eles não vos amam. No fundo, há uma endogamia política: um democrata só ama um democrata. Para os outros, vindos de zonas com fome ou com guerra, fala-se primeiramente de papéis, fronteiras, campos de retenção, vigilância policial, recusa da reunião familiar … É necessário estar integrado em quê? Na democracia sem dúvida. Para ser admitido e talvez um dia saudado, é necessário ser treinado em casa a tornar-se democrata, durante longas horas, trabalhando duramente, antes de se imaginar poder vir ao mundo verdadeiro. (…) É um exame tremendo que vos espera! Do falso mundo ao verdadeiro mundo, a licença está no impasse.
Democracia, sim, mas reservada aos democratas, não é verdade?
Mundialização do mundo, certamente, mas sob a condição que o seu exterior mereça enfim de estar no seu interior…
De que república se alimenta a invocação “dos nossos valores republicanos”? A que se criou no massacre dos “communards”? A que se musculou nas conquistas coloniais? A de Clemenceau, o destruidor de greves? A que também organizou a matança 14-18?  A que deu plenos poderes a Pétain? Esta “República de todas as virtudes” foi inventada pelas necessidades da causa: defender o emblema democrático, que sabemos que enfraquece perigosamente, tal como Platão, com os seus guardas filósofos, acreditava segurar elevada ao alto uma bandeira aristocrática já comida pelas traças… “

Jacques Rancière, “L’ emblème démoctratique”, in AAVV. Démocratie, dans quel état ?, éditions La Fabrique, 2009.

Sem comentários:

Enviar um comentário