Em 2001, a
Presidência de Clinton (1993-2001) publicou um documento onde se fazia o balanço da ação da Administração durante
este período.
Eram elencadas as várias áreas de intervenção, onde era feita uma avaliação celebrativa do progresso social e do “crescimento económico histórico” alcançados.
Destacava-se que tais resultados se deviam à “modernização da nova economia
através da tecnologia e do consenso da desregulação”.
O diagnóstico do sucesso é credível, mas o “consenso da
desregulação” referido apaga a memória
histórica do que aconteceu na Grande Depressão (1929-33): os efeitos catastróficos sobre o sistema financeiro e a economia decorrentes da especulação financeira. Esta rasura dos ensinamentos da história pode ter sido movida de boas intenções imediatas, mas não foi prudente nem policamente consequente.
A crise financeira que despoletou nos anos de 2008, em que
ainda estamos mergulhados, poderia ter ocorrido – dada a natureza bipolar do
sistema capitalista, em que alternam ciclos de expansão e de recessão – mas não se manifestaria com a gravidade da existente.
A responsabilidade de Clinton pela situação atual da crise
financeira e do seu reflexo na economia e na sociedade deriva pois de um
conjunto de medidas que foi tomando ao longo da sua Presidência.
Mas destaca-se, pela sua gravidade a revogação pelo Congresso, depois
promulgada por Clinton, da lei de Roosevelt de 1933 (a Glass-Steagall Act), que surgiu como resposta à crise financeira de
então. Nesta lei, distinguia-se a atividade dos bancos comerciais da dos bancos de
investimento da Wall Street, de modo a proteger os depósitos privados da sua utilização em
operações financeiras de alto risco.
A nova lei de Clinton (a Gramm
Leach Bliley-Act), ao fazer cair a barreira legal que limita a especulação,
vem contribuir para a sua multiplicação pois permite o desvio para as operações
financeiras do mercado secundário os montantes que estavam adstritos ao âmbito do
mercado primário.
Esquecendo as consequências desastrosas contidas na especulação
financeira para a atividade bancária, depositantes e economia no seu conjunto,
a Adminstração Clinton entoava loas à nova medida nestes termos: “the historic
legislation will better enable American
companies to compete in the new economy” (palavras do Secretário do Tesouro
Lawrence Summers, após votação da lei).
Alguns senadores (apenas oito), durante a discussão da
alteração da lei, alertaram para os riscos. Mas a maioria dos congressistas
(republicanos e democratas em coligação de interesses”) alcançaram o referido “consenso
da desregulação”, acreditando que estavam a servir o interesse da economia e
esquecendo que assim deixavam à finança mãos livres para a a sua gula insaciável pelo “vil metal”.
Vale a pena reter a opinião de um desses senadores
dissidentes do consenso, dirigindo-se da tribuna às duas bancadas do Congresso:
“I want to sound a warning call to day about this legislation. I think this
legislatin is just fundamentally terrible.”(cf. aqui)
A história, para nossa inglória, veio dar razão a esses senadores. E cá tanbém apenas poucos viram a tempo a tormenta que a finança desregulada vinha derramar sobre a economia e a sociedade. Louçã, como o disse na abertura do congresso de eleição da nova liderança do seu partido, é apenas um bom exemplo.
Desde Max Weber que, em política, se sabe que não bastam
boas intenções. É preciso também pensar nas consequências das decisões
que se tomam, de acordo com os princípios de uma ética da responsabilidade.
Clinton, embalado pelos cantos de sereia, deixou-se enfeitiçar.
Não soube, como Ulisses, regressar à sua casa, conservando-se fiel ao legado
político que os seus lhe deixaram como resposta à crise financeira de 1929. Se
tivesse tomado em linha de conta as causas que geraram essa crise, poderia ter
percebido que, na conjuntura existente, a lei que adoptou iria conduzir aos mesmos
efeitos daquela, só que mais graves dado o atual contexto de um mundo globalizado.
Sem comentários:
Enviar um comentário