1ºAndamento: o festim no seu processo
Havia um jardim. A um canto, semi-escondido, uma aranha tecia
a sua teia na vertical, para apanhar metodicamente os insetos dançarinos. O
festim brilhava-lhe nos olhos. Mas algum descuido ou imprevisto se abateu sobre
a sua estratégia: ela fica presa na teia e vai ser devorada pelo louva-a-deus.
Assim se desenvolve o ballet pantomima de Roussel, criado em
1913, grandiosa alegoria sarcástica dos apetites humanos. Este tema já fora
tratado nas Metamorfoses de Ovídio
(VI, 1-145): a perfeição da arte de Arachne era um desafio ao brio da deusa
Minerva, que se vingou matando-a.
Já nos nossos dias, Alan Greenspan deu à estampa, sob a forma
de lei, um pastiche destas obras. Mas agora a notação da música aparecia em dólares
e a pantomima era para ser representada, acto contínuo, no espaço virtual em
que se movem, como fantasmas, os vários agentes dos mercados financeiros:
bancos, companhias de seguros, firmas de investimento, aplicações imobiliárias
e similares.
Mas quem é Alan Greenspan? É um economista norte-americano
que ocupou o cargo de Presidente da Reserva Federal, desde 1987, por nomeação
de Reagan, sendo sucessivamente reconduzido por Clinton e por Bush, até
2006, o que totaliza 19 anos.
Durante este período deve-lhe todo um vasto leque de decisões
que foi tomando no sentido contribuir para a liberalização dos mercados, de
modo a facilitar a concorrência das empresas americanas no mercado mundial.
No fim deste período, escreveu as suas Memórias, que surgiram
em livro intitulado A era da turbulência,
com data de 2007, que narra a história do “festim da aranha” em que participou
ativamente, do qual retiro o seguinte excerto:
“No Outono, Larry Summers e eu tivemos de resolver uma guerra
de competências entre o Tesouro e o FED. Fora desencadeada por uma moção do
congresso que propunha a revisão das leis que governavam o setor financeiro
americano: bancos, companhias de seguros, firmas de investimento, aplicações
imobiliárias e similares.
Depois de anos de preparação, a “Lei de Modernização dos
Serviços Financeiros” ( Finantial Services Modernization Act) tomou a forma na
Lei Glass Steagal [já referido no post “as boas intenções e a especulação
financeira”], uma lei do tempo da Depressão que limitava a possibilidade de os
bancos e as companhias de seguros entrarem em negócios comuns.
Os bancos e as outras empresas pretendiam diversificar-se,
queriam, por exemplo, instalar lojas em que aparecessem diversos serviços
financeiros. Argumentavam estar a perder terreno para concorrentes
estrangeiros, especialmente para os “bancos universais” europeus e japoneses,
que não estavam sujeitos a restrições deste tipo. Eu concordava que a
liberalização destes mercados já devia ter sido feita havia muito tempo.
(…) A versão da proposta de Reforma apoiada pelo Senado
atribuía a responsabilidade ao FED. A versão da Câmara dos Representantes
favorecia o Tesouro. (…) As equipas do FED e do Tesouro iniciaram as negociações,
mas não se entenderam. Então, dá-se o encontro de Larry e de Greenspan: “Temos
de resolver isto!”
(…) O Tesouro e o FED elaboraram um projeto de lei conjunto e
fomos ao Capitoll Hill nesse mesmo dia: o projeto foi aprovado.
Os historiadores considerarão a Lei da Modernização dos
Serviços Financeiros como um marco na legislação reguladora de empresas e eu
nunca deixarei de a recordar como um momento de tomada de decisões que, embora
não publicitado, seria digno de alguns elogios.
A expansão continuou num crescendo (…) no fim de Dezembro o
valor do mercado de ações NASDAQ quase duplicara em dois meses (o Dow cresceu
20%) Na sua maioria, as pessoas que haviam investido em ações sentiam-se
contentes e tinham motivos para isso”
(Cf. Alan Greenspan, A
era da Turbulência, Ed.Presença, 2007, pp. 220-1)
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